sábado, 5 de fevereiro de 2011

19º capítulo – enquanto o mundo gira…

Nem todo brado é desespero. Nem todo profundo olhar é flerte. Nem todo gemido é dor. Nem todo suspiro é amor Nem sempre se perde, pois nem sempre se encontrou. E rasga-se a cena contínua. As cortinas vermelhas do cotidiano irritante. O tédio inquietante. A voz se cessa. É silêncio. O silêncio corrói os ocidentais. Os normais.

        E as folhas voam. Palavras não são ditas. O trabalho é árduo, chato. O estudo parece eterno, assim como a verdadeira amizade. O amor é a tinta nas paredes cinza dos quartos. As moças sonham. Os homens, mulheres, crianças, idosos… todos contêm algum tipo de verbo sonhar, mesmo que não seja no outro dia.

        Faz calor, depois esfria. Rompe dimensões, que se permanecem intactos. Nos seus mesmos ir e vir. No mesmo olhar. Sonhar. Amar. Morrer. Doer. Gemer. Flertar. Olhar. Gritar.

        Os dias tomaram seu rumo indevido de corredor. Mais uma semana chega ao fim. Elas estão sempre à espera e nem sabem do que.

Sábado, 10 de agosto de 2008.

Catherine

        Ela acorda naquela pálida manhã de sábado. Sua companhia noturna já havia ido embora e deixando anotado em um espelho, com batom, o seu telefone. O sabor da boca é uma mistura de gosto corporais com vodka, sua fiel parceira da noite.

        Naquele sábado Catherine iria tocar em um bar na Lapa. É o que a motiva a se levantar. Um café amargo e, anterior a isso, um litro d’água. Tudo para afogar a ressaca. Uns comprimidos para a cabeça que doía e um anti-acido para o estomago e fígado.

        Ela vai ao banheiro e abre o chuveiro. Toma um banho gelado. Precisa despertar. Quer ensaiar hoje. Quer ser melhor essa noite, como se fosse a ultima. Pensa em convidar Alicia. A princípio acredita ser uma ótima ideia, depois o pessimismo diz o contrario. Uma desculpa? Para ela ver como é sua apresentação. A artista plástica quer mesmo a contratar. Então, nem é má ideia. Porém, não há necessidade de ligar agora. Vai acabar demonstrando ansiedade.

        Cat come uma maça e vai ver o seu repertório. Adequar, de melhor forma, ao lugar mais eclético do Rio de Janeiro. Tocar samba é essencial. O samba-rock era impossível ficar de fora também.

        Exercícios de voz e respiração. Tentar manter o corpo e alma zen. Se alimentar de nada muito gorduroso e evitar bebidas geladas. Ver se o violão e a guitarra estavam bem. Ela sentiu que estava diferente. É como se fosse a primeira vez. A excitação e nervosismo tomavam conta dela.

        - Calma, garota. É só mais uma primeira vez.

        Foi a semana inteira. Alguma coisa parecia ter mudado. Estava inquieta com tudo que era costumeiro. As aulas, as mulheres, as bebidas e drogas, a música. Era tudo. Como isso pode estar acontecendo? Ela não sabe. Ou melhor, não quer saber. A vontade de ligar e até mesmo ir até lá.

        - Idiota. Não faça isso com você mesma.

        A jovem cantora não agüenta a pressão e faz o que pensou a semana inteira. Ligar para Alicia.


***

Alicia

        Desde que resolvera se soltar, deixar seus instintos tomarem conta de si. A artista plástica se sente mais bonita, mais confiante. A sua timidez ficou em segundo plano. Ela agora era uma nova mulher. O que assustou um pouco Al. Vanessa, quando a viu flertando com outras meninas na universidade, se roeu de ciúmes, mas não quis dar o braço a torcer.

        Em uma semana ela havia feito tudo, e mais um tanto, que tinha feito na vida inteira. A gentil moça agora se travestia de mulher fatal. Linda ela sempre foi. Desde que era um bebê a Alicia chamava atenção, porém, agora, ela está a usar completamente o seu “poder”.


        E ficam enganados, os que acreditam que ela ficou só na conquista, esta semana. Esta bela mulher conquista, beija e vai para cama (ou carro, sofá, mesa e outros lugares diferentes) com muitas pessoas. Mulheres, lógico, mas também com homens. Menos o seu vizinho. O que deixou o rapaz morto de desejo.

        Até mesmo seus clientes do ateliê não resistiram a tentação. Mulher bonita “dando mole” não é para desprezar nunca. Alicia teve todos os prazeres que podia ter. Gemeu e ouviu diversos gemidos. Gozou e fez gozar. Só uma pessoa, além de Marcos, ficou fora de seus dias de luxuria. E justo aquela que a fez pensar em agir assim. A mulher na qual mais desejava em ter na cama, ela não teve… Sim, ela e a Catherine parecem brincar de gato e rato. Só que no final é o mais esperado pelo o felino, aliás, felina.

        Com Cat, Alicia se sentia novamente aquela menina. E esperava que a cantora tomasse atitude. Lili queria ser uma ratinha na boca e mãos de Cat. Mas a gata que tem que ir a caça. Mas a jovem descobriu que a mulher na qual cobiçava iria tocar na Lapa. Era a sua chance. Iria lá assistir. Fazer de conta que foi casual e se entregar como prêmio para Catherine.

        Estava tudo certo para aquela noite de sábado. Calcinha nova, perfume, casa limpa e perfumada, Al iria dormir fora. Era hoje ou nunca. De preferência hoje, obvio. Se pudesse, agora. Iria tomar mais tarde um banho com sais em sua banheira. Usar sua melhor maquiagem. Uma roupa que deixe a cantora com vontade de caçar. Agora é só esperar. E essa é a pior parte. É a hora de pensar em tudo. TUDO mesmo. Até se der errado, o que fazer.

        Quando viajava em sua mente, o telefone toca.

***

Catherine e Alicia

        - Alô?!?

        - Oi. Poderia falar com Alicia? (Cat reconheceu a voz, mas quis fazer de conta que não)

        - É a própria. Quem deseja? (Alicia também mentiu, sabia quem era)

        - É a Cat… Catherine.

        - Ah. É você. Tudo bem? (Ela faz de conta que não estava torcendo a semana inteira por essa ligação)

        - Tudo. Eu queria lhe fazer um convite.

        - Faça… (“me chama para ir para a sua cama”, pensou e torceu Alicia)

        - Hoje vou tocar na Lapa. Você quer ir? Tipo, é que você disse que vai me contratar. É melhor me ouvir antes. (“diz que sim, por favor.”)

        - Lógico. Que horas? (Faz de conta que não sabia e fica um pouco desapontada, no fundo.)

        - Eu vou chegar lá cedo, umas 21h, mas vai começar por volta das 22h, ou um pouco mais tarde.

        - Estarei lá. Quer que eu te leve lá? Sabe, pelo o carro.

        - Não quero te incomodar.

        - Não é um incomodo. E sim um prazer. (nunca uma frase foi tão honesta)

        - Tudo bem. Se quiser pode vir aqui em casa.

        - Estarei aí, então. Beijos.

        - Muitos outros para você.

        Elas desligam o telefone.

***

Bruna

        A primeira coisa que Bruna fez ao acordar naquele belo sábado, foi pensar na roupa que deveria usar naquela noite. Ela estava ansiosa em sair para a Lapa, com seu amigo Rodrigo. A primeira vez na noite carioca como mulher solteira e a procura. Procura de ser feliz. Procura de risadas gostosas. De mulheres interessantes. De bocas macias.

        Ela sabe que o Ro iria tentar ficar com ela. Normal. Por volta de 75% dos homens (dados nada científicos) tem vontade de ir para cama com uma (melhor, duas) lésbicas. 10% são gays. 10% são puritanos. E apenas 5% realmente conseguiram e contaram para os amigos, porque não adianta nada realizar uma fantasia sexual se não for para causar inveja alheia.

        Uma roupa para ir a Lapa com um amigo tem que ser bem planejada. Ela quer chamar a atenção das mulheres. Se ela conseguir fazer o mesmo com os homens, pode ter certeza, todas as outras mulheres já repararam. Independente da orientação sexual. Nesse quesito heteros, bissexuais e lésbicas têm que concordar. São todas iguais.

        O mais complicado é ficar linda de forma que uma garota chegue nela. Pode parecer hetero demais. E não é isso que Bruna deseja. Nisso as mais masculinas tem vantagens. Todas já olham e tem a certeza que elas são “do babado”. E já que as outras “melissas” não vão ter certeza das mais femininas, as bofes acabam ganhando a noite.

        Ela tem que estar linda, porém de calça. Não que calça seja coisa de lésbica e saia não. Nada disso. Mas deixa o resto das pessoas pensarem assim. Pochete? Não. Feio e cafona. Que tal um chapéu branco para dar um ar de “malandra”? Pode ser. Uma blusa delicada e branca também. No pé ou uma rasteirinha, ou devido ao inverno um sapatinho ou o velho amigo All Star*.

        Completo o look, bom pensar nela. Alias, em suas belas madeixas. Toda mulher se preocupa com o cabelo. Existem vários tipos de shampoo, cremes, condicionadores no mercado. E para cabelos lisos, cacheados, crespos, alisados, com chapinha, sem chapinha, com química, tingidos, loiro, preto, castanho, sem sal, de chocolate, de ervas etc. São tantos que dá para escrever um livro, semelhante aos de culinária, para este quesito.

        Bruna marcou, na quarta-feira, cabeleleiro para hoje. Às 15h. Ela vai encontrar às 21h o Rodrigo. E alguém sabe como é cabeleleiro feminino em dia de sábado? Mais disputado que lugar no maracanã em dia de clássico em final de campeonato.

        - Deixando a roupa pronta em cima da cama e já indo de banho tomado, talvez dê tempo de ser pontual. E o Rô não vai reclamar se eu me atrasar um pouco.

        Ela toma banho, bebe seu leite matutino junto com frutas e começa a se preparar para o dia.


***

Monise


        Depois que entrou em depressão, esta foi a primeira vez que Monise consegue ir a todas as aulas dentro de uma semana. Ela sabe que não está feliz, porém anda tendo momentos alegres. Instantes de sorrisos. Dentro da vastidão das horas, esses segundos alegres eram preciosos. Era quando ela reencontrava com seu antigo “eu”. Aquela Monise menina, skatista, alegre, namoradeira, que fazia ser luz os ambientes em que freqüentava.

        A luz se apagou. Não há mais estrelas, nem sorrisos inteiros. O palco da vida virou espaço para um triste monologo. Onde uma personagem real se entrega a escuridão dos dias. E seu corpo já não tem valor. O público se foi. Agora só tinha a si própria, o que, em seu ponto de vista, nada era. Aliás, partes insignificantes do nada. E abram alas para a solidão.

        A solidão veste preto, branco, amarelo, vermelho… cinza. A solidão não é discreta. A solidão faz de conta que lhe sorri. A solidão às vezes joga bola com a depressão e o desespero. A bola em questão é a Monise. Que se deixou perder.

        Ela está acordada, mas não sai da cama. Fica pensando: “e se eu morresse agora? Quanto tempo demoraria a notar?” Talvez uma eternidade.

        - Papai não iria acreditar. Mamãe iria chorar pela a sua “menininha”. E a Lu? Quem iria contar a ela? Só se ela ligasse e alguém falasse: “Desculpe, mas essa jovem faleceu”. Melhor continuar viva, por enquanto. Receber uma noticia assim deve ser terrível.

        Amigos e família no espetáculo da vida significam luz no palco. A necessidade de levantar e encarar o público (ou falta dele) de frente. Sozinho, ninguém chega a lugar nenhum. A solidão só vai brincar com você.

        Havia cerca de dois anos que Monise não começava a ver faíscas. Com Luciana por perto a vontade de ser feliz estava querendo renascer. Uma vontade enorme. É difícil sair das trevas da depressão, porém, quando a vontade de superar obstáculos aparece, tijolos amarelos surgem para lhe guiar para longe do mundo que lhe esconde.

***

Luciana


        Lu acorda alegre hoje. Está animada. É sábado, dia que tudo pode acontecer. Tudo mesmo. Ela não tem planos, mas não precisa disso. As coisas que se realizam sem marcar são ainda melhores. E ela tem um leque imenso de amigos, tem uma amizade querendo se colorir, uma bela amante e um bom namorado. Pra que querer mais?

        Sua melhor amiga, Babi, era tão louca e alegre como ela. Podem fazer tudo em um sábado. Desde momentos esportivos até uma balada LGBT. O céu não é o limite.

        Luciana, já vestida, pega uma maça, come, toma um copo de suco de tangerina e sai. Nos finais de semana ela gosta de correr no calçadão. É uma forma de não perder o pique e pegar um Sol. Aproveita, muitas vezes, para tomar um banho de mar e espantar, com o sal, todos os males da vida.

        Falando de vida, o único plano que a Lu tem para esta é de ser feliz, não importando a forma. E, talvez, esta seja a melhor fórmula da juventude. Buscar alegria, não importa onde, nem como.

        As pessoas na praia, muitos amigos queridos da jovem atleta, a cumprimentam, mandam beijos. Outros gritam “Lu louca, te amo.” Ela é assim, tem amigos em todas as partes. De todas as classes sociais. De todas cores de pele. O importante é somar e multiplicar. Teo a chama para jogar vôlei. Samantha para deitar na areia e botar o papo em dia. Billy a vê, corre e a beija no rosto e ainda rouba um selinho. Ele sempre teve uma queda pela amiga.

        Luciana continua a correr. É necessidade do dia. Para somente para admirar sua musa. Era Julia saindo do mar. Linda, bela. Uma beleza sufocante, infartante. Lu fica ali a olhar. Tira o tênis e corre na areia até a professora. Elas se vêem e a atração é notada até em Netuno. Claro que a jovem mestra tem medo desse “relacionamento”. Lu é sua aluna, menor de idade e mulher. O preconceito pesa. Se alguém descobre, ela está perdida. Mas como resistir aquele sorriso? Impossível. Elas se falam com a linguagem do olhar. Tocam-se com os sorrisos e se amam com os pensamentos.

        Quando resolvem soltar uma fala, apenas um tímido “oi” é ecoado de suas gargantas. A vontade é de se tomarem ali mesmo, junto a várias pessoas. Deixar aquela paixão tomar conta de seus corpos. A jovem professora resolve cortar o clima.

        - Como está a minha linda atleta nesse belo sábado de manhã?

        - Ótima. Estava correndo para não perder o pique da semana.

        - Você nunca perderá o “pique”. Você é a agitação em pessoa.

        - Eu quero estar perfeito para os jogos estudantis. Vai que tenha algum olheiro.

        - Seu sonho é ser profissional?

        - Sim. Quero ser jogadora de futebol. Serei melhor que minha ídolo Marta.

        - Quem sabe… estarei sempre torcendo por você.

        - Obrigada. Vou continuar a correr. Quer vir?

        - Não. Deixa para a próxima.

        - Então ta. Tchau.

        Elas se beijam no rosto. Luciana sente seu corpo tremer e seu coração querer sair pela a boca. Mas tenta manter a calma. Volta ao calçadão, coloca o tênis e volta a correr.

2 comentários:

Lilith disse...

o melhor é ter de volta nossa novela ^^

Lilpink disse...

Bem,li a novela por completo,acho que tens uma nova leitora...A Neyla sabe be o que escolhe. Uma ótima novela que aqui tens.