sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

17º capítulo – O pódio é alcançado repleto de cicatrizes

 
Catherine

        Catherine não sabia o que fazer. Como reagir. Teve vontade de gritar a moça. Mas ficou calada. Não sabia se estava feliz ou não. Estava atordoada. Não esperava absolutamente nada de tudo que aconteceu. Tudo bem que ela mesma, Catherine, que deu o beijo. Mas fez porque era o que a Alicia desejava. Pela primeira vez se sentiu a caça e não a caçadora.

        Ela sentiu um breve arrepio. Um desejo de chamar aquele nome doce. De tentar uma vez ser feliz. Será que Alicia é a tal pessoa guardada para Cat?

        Queria aprender a flutuar. Dançar lentamente. Seguir os passos daquela boa moça. Mas não sabe se é capaz. Será inicio de paixão? Não lembra muitas vezes de ter sentido isso. Tentou se amarrar certa vez por uma menina. Foi quando ela teve que ir embora de casa. Se apaixonar pode ser ruim, se apaixonar pela a pessoa errada, pior ainda.

        - Ai, moça. Por que você fez isso? “Eu não sei dançar tão devagar pra te acompanhar” – ela cantarola a canção de Marina Lima que lhe veio à cabeça.

        O medo de algum sentimento sincero batendo a sua porta a deixa sem ter reação. Querendo fugir. E ao mesmo tempo querendo correr atrás. Correr. A vida é tão corrida e ainda corremos. Quando você vai ver já passou por tudo, sem notar o tudo.

        Ela pegou o violão e começou a tocar a música perfeita para o momento: Pessoa – Marina Lima.

Olhar você e não saber
Que você é a pessoa mais linda do mundo
Eu queria alguém lá no fundo do coração
Ganhar você e não querer
É porque eu não quero que nada aconteça
Deve ser porque eu não ando bem da cabeça
Ou eu já cansei de acreditar

O meu medo é uma coisa assim
Que corre por fora entra, vai e volta sem sair, oh
Oh, não! Não tente me fazer feliz
Eu sei que o amor é bom demais
Mas dói demais sentir

Olhar você e não saber
Que você é a pessoa mais linda do mundo
Eu queria alguém lá no fundo do coração
Ganhar você e não querer
É porque eu quero que nada aconteça
Deve ser porque eu não ando bem da cabeça
Ou eu já cansei de acreditar
Ou eu já cansei...

O meu medo é uma coisa assim
Que corre por fora entra, vai e volta sem sair, oh
Oh, não ! Não tente me fazer feliz
Eu sei que o amor é bom demais
Mas dói demais sentir

Mas dói demais sentir...
Mas dói demais sentir.......

        Nem era nada de concreto, aliás, ainda tem um grande abismo para percorrer para isso ser um fato certo, o amor de Alicia. Talvez ela só queira uma noite e não sabe ser direta nesse sentido. Talvez seja só para esquecer os problemas.

        - Se eu fosse cobrar de todas as mulheres que querem ir para a cama comigo só para descontrair, ficaria rica. – pensa em voz alta Catherine.

        A beleza de Alicia é algo que toca Cat da cintura para baixo. A delicadeza e jeito de boa menina encantadora é o que faz seu coração acelerar. Talvez esteja na hora de se deixar apaixonar. Quem sabe assim a vida faça mais sentido.

        - Não posso deixar.

        Catherine pega um telefone no bolso de uma jaqueta sua e liga. Convida uma mulher para ir a sua casa. Ela se chama Pâmela.  Mulher perigo. Uma silhueta impecável. Uma negra daquelas de causar escândalos. De matar e morrer por aquela beleza infinita. Uma rainha de Ébano. Mulher que gosta de diversões sexuais. Faz faculdade de medicina, mas para se divertir aos finais de semana, e alguns dias de semana, ela virava garota de programa. Era um dinheiro a mais no bolso e muitas histórias para contar e lembrar.

Catherine a conheceu em um bar com nome de deusa mitológica Hécate. Quando descobriu quem era Hécate, Cat se tornou devota, pois viu nessa tamanha semelhança.

        Catherine queria entrar mais nesse mundo de prostituição. Encarar de vez mais esse vício. Entregar-se a mulheres, mas agora cobrando. Ou algo do tipo. Queria algo para não se entregar ao amor. E aquela jovem era a pessoa ideal para ajudá-la a se envolver nesse mundo perigoso.

        Pâmela chegou com Nicole e Valéria. A primeira uma prostituta de carteirinha. Com gosto de veneno nos olhos. Ela ria alto, usava roupas escandalosas. Valeria era Walter de nascimento, porém, ao virar um travesti, adotou este nome: Valéria, a dama de paus.

        Cat, um cantora, uma professora, queria ser suja para ninguém a amá-la, assim podendo fugir do amor. Um sentimento que você não tem controle.

        Elas conversaram horas sobre Catherine entrar para aquela vida. Nicole insinuou que ela teria que ter relações heterossexuais. Valéria cortou a amiga de profissão e mostrou que tem esse público também, porém é mais difícil. Tanta gente faz de graça.

Pâmela - Gata, porque você quer isso agora? Você não é cantora?

Cat   - Fugindo de qualquer pingo de paixão.

Pâmela - Você está apaixonada? Não acredito.

Cat   - Não. Não estou. Fiquei perturbada com uma dona aí. Nossa. A garota é linda demais.

Valéria – Já comeu?

Cat   - Não. Ainda não.

Pâmela – Esse é o seu problema. Não comeu a mulher que te atiçou. Você é uma caçadora. Vai à caça. Pegue e esquece.

Cat   - Mas…

Pâmela – Está amolecendo, Cat? Fugindo de mulher. Medinho.

Nicole   - Se quiser estou aqui para te dar um pouco de felicidade, meu bem. Te ajudo a esquecer. E faço um preço camarada para você, porque é gostosa.

Cat   - Vocês não entendem porque não viram a garota. Ela diz que vai e não vai. É linda, sério, uma das mulheres mais linda que eu já vi. Toda delicada. Mas, parece que eu vou morrer se for atrás dela.

Valeria – Pois é, benhê, você está gamada na garota difícil. Tudo para você é fácil.

Cat   - Ok. Vou ver o que eu faço. Vocês têm alguma coisa aí para alegrar meu dia?

Valeria – Buceta, pau, ou drogas?

Cat   - Dessa vez fico com as drogas.

Pâmela – Nic, dá para a gata o que você tem aí.

        Catherine paga a maconha, se despede de todos e fica ali. Só. Faz o cigarro, acende e fuma. Quer esquecer o que ela teima dizer que nem está nela. Paixão.

***

 
Alicia

         Alicia em seu carro, contente, se achando bem e estranha. Nunca tinha tomado esse tipo de atitude. Sempre foi muito contida quando se refere à relação. Ela não fez tudo que imaginara fazer, mas já foi demais. Quer deixar sempre um gosto de mais na boca de Catherine. Ir aos poucos. Não quer ser do tipo fácil, nunca foi assim. Mas também não pode ser difícil demais. Tem que mostrar que quer, mas que é para correr atrás.

        O vento gerado pelo o carro em movimento faz o cabelo de Alicia se mexer. Ela é linda, em seu carro. Com seu sorriso. Com sua boca de quem acabara de ser beijada. Com seu ar saudável. Ela quer e precisa dessa aventura para apagar a Vanessa.

        Imagina o que a Catherine deve estar pensando, sentindo? Vontade de tê-la. De rasgar a sua roupa. De lhe ter em sua cama. Fazê-la gozar como louca. Como Alicia quer aquilo. Sexo. Aventura. Nada de amor. Esse já a magoou tanto. Agora tem que seguir adiante. Seja com Cat, seja com qualquer outra.

        Alicia vai para o trabalho. Chegando lá fala com a mãe da necessidade que está tendo de expor o trabalho. Que está pensando em fazer um evento. De verdade é uma desculpa para estar mais tempo perto de sua encantadora cantora.

        Queria falar com a irmã tudo que aconteceu. Mas tinha que esperar o horário. Enquanto isso trabalhava. Mostrava seu trabalho para uns franceses, que estavam lá para conhecer seu trabalho e comprar alguma obra. A sua arte estava cada vez tomando uma importância. Não era a primeira vez que estrangeiros viam a procurar o seu trabalho. Alicia já era nome de talento.

        Por que não juntar a fome com a vontade de comer? Sim. Fazer uma grande exposição de arte seria muito bom para divulgar o trabalho de Alicia. O seu nome. Se tornar ainda mais forte no ramo artístico. E usar isso para se aproximar de uma garota linda. Nossa. Perfeito casamento de artes. Música e artes plásticas.

        A ansiedade e contentamento estavam estampados no rosto de Alicia. Queria que o tempo corresse. Queria que Cat ligasse para ela. Queria contar tudo para Al.

- Ai. Essas horas que não passam.

Após um pouco de trabalho, a jovem artista resolve ir embora para casa. Conversar com seu cachorro Bartolomeu. Com o amigo Marco. Com qualquer um. Até com as plantinhas de seu confortável apartamento.

Chegando lá dá de cara com seu amigo. O abraça forte e diz que ele está convocado para subir para seu apartamento. Que quer falar com ele. O rapaz sorri e fala que é um grande prazer estar na casa dela. Os dois sobem. A jovem chega, abre um champanhe e dá uma taça para o rapaz. Ela começa a contar como foi esses dias. A alegria que ela estava buscando e o melhor de tudo, encontrando.

Marco fala também de seus dias. Trabalho, malhação, cachorro. Mas diz que anda se sentindo meio sozinho. E que estar com ela era algo encantador. Pois nunca viu alguém com um brilho tão intenso nos olhos. Uma beleza genuína. Alicia sorri e abre mais uma garrafa de champanhe. Os dois conversam sobre tudo. Filme, sexo, mulheres, homens.

Marco fica com calor, ou diz que ficou, e tira a camisa. Os dois resolvem ver um filme que estava passando na televisão. Eles começam a se acarinharem. E beber cada vez mais. E os carinhos que antes eram suaves começam a ficar mais excitantes. A moça já sem blusa começa a se deixar levar pela a tentação do corpo musculoso junto ao seu. E um beijo aconteceu.

Tudo começou a esquentar de verdade. Ele já estava por cima dela roçando o corpo junto ao dela. E a beijando cada vez mais. E ela se deliciando com o momento. A loucura de seus desejos. A vontade de ser uma presa. Ela estava carente também de ser desejada. Mesmo sendo por um homem, queria deixar o momento levá-la.

Ele a pegava com cada vez mais força e vontade. Suas mãos passando pelo seu corpo delicado. As vozes cada vez mais sussurrantes. Os gemidos que não conseguem mais se conter. A vontade da penetração.

Ele começa a tirar a roupa dela e beijar seu corpo nu. Ela fica sentindo todos os prazeres. Ele está para tirar sua cueca, quando os dois dão um pulo. Escutam um som que vem da porta. Vestem-se rapidamente. Ele fica com a calça, mas ainda sem a camisa. Ela consegue ainda que fingir que terminou de se vestir. Mas seu sutiã fica no chão, sem ela perceber que não estava com ele.

Era Al, que olha a cena da irmã e aquele rapaz lá, com duas garrafas de champanhe e taças. Ele sem camisa e ela encontra o sutiã dela no chão. Percebe o que quase aconteceu lá. Al fica perplexa. Nunca imaginou encontrar a irmã com um homem. Não que essa não fosse linda para homens também, lógico. Linda para qualquer sexo. Mas, fica meio sem nexo.

Ela entra de vez no apartamento. Saúda os dois e chama a irmã para ir ao quarto. E mostra o sutiã mostrando que entendeu tudo que havia acontecido. Alicia tenta argumentar que não aconteceu nada, mas o jeito embriagado da irmã denuncia que estava fácil como presa. Marco, sem graça, até meio avermelhado, coloca a camisa, pede licença a elas e diz que tem que sair. E as deixa ali.

- Você está louca? Transou com esse cara?

- Eu não transei com ninguém. Quem dera tivesse. Ele é meu amigo.

- Sei bem que tipo de amigo. Eu não sabia que dormia com homens. E ainda fala da Vanessa.

- Eu não fico com homens desde meus 18 anos.

- Mas estava bem com esse aí.

- Bebemos demais. Conversamos. Estamos carentes e rolou uns beijos. Admito.

- Sei. Só uns beijos. E seu sutiã saiu voando sozinho.

- Eu tirei porque estava apertando.

- Sim. Você tirou. Tenho certeza que ele que tirou de você esse sutiã. Será que você está de calcinha ainda ou é uma peça que vou encontrar perto de um jarro de flores?

- Olha, eu tenho 25 anos. Sou adulta. Pago minhas contas. Sou solteira. Fico com quem eu quiser. Não transei com ele, talvez até transasse, ele é bonito. Não fiz porque você chegou na hora.

- Quer que eu saia? Eu saio e você chama esse homem para dentro de sua casa e mete com ele a noite toda.

- Para de bobeira, Aline. Porra. Cheia de coisa na cabeça.

- Isso se chama álcool. Ai. Que nojo. Antes fosse dez caminhoneiras. Um homem é nojento.

- Eu não acho isso.

- Chupou o pau dele?

- Já disse que não deu tempo.

- Hora dessas você trepa com um que te engravida e casa com você. Quero ver sua vida de mulherzinha de homem.

        - Olha, eu não sou mulherzinha de homem nem de mulher. Sou uma MULHER. Eu trabalho, estudo, faço de tudo desde muito nova. Vivo de minha arte, meu talento. Se eu quiser ficar com mil homens e mil mulheres ao mesmo tempo o problema é meu.

        - Aposto que nem ligou para a cantora.

        - Não liguei mesmo. Fui à casa dela. Fiquei com ela. Vou me encontrar com ela mais vezes. Eu quero transar com ela até minha buceta ficar roxa de tanto dar. Eu sou passiva mesmo. Gosto de alguém metendo em mim. E se não tiver mulher vai homem mesmo. Então, pare de encher meu saco.

        - Vou tomar banho. E se quiser vai atrás do gostosão lá e dá pra ele.

        - Não duvide que possa fazer isso mesmo.

        - Dê, porra. Aliás, quem vai dar porra é ele na sua boquinha.

        - Estúpida.

        - Hetero.

***

Bruna

        Bruna se despede daquelas horas intermináveis ao lado de Bárbara e sai rumo a sua falta de rumo. Se sentia leve, ébria de vida, solta de destino. Porém, sabia que tudo isso teria um fim ao colocar seus pés novamente no prédio onde reside. Todo aquele turbilhão sentimental voltaria. É lá onde vivem seus fantasmas. 

        Ela queria continuar sorrindo. Sentindo aquela sensação do orgasmo que ainda estava em seu corpo. Não queria voltar para o buraco que deixou. Ela tinha que trocar de roupa. Porém antes uma roupa com sal do que uma alma sem sabor.

        Mas se é necessário força. Vontade. Força para enfrentar a vida. Só existir não basta. Precisa ir em frente. Mesmo que a dor não tenha cura. Mesmo que sangre por dentro o seu coração afetivo. Seguir. Ir adiante. Mesmo que chore. Mesmo que se sinta solitária. Mesmo… O mundo em seu egoísmo tempo não estaciona para você poder sofrer. E se você parar é atropelada por esse trem desgovernado. É necessário deixar o luto quando for só com a morte. E quando este acontecer, saiba que a solidão que te contamina não é verdadeira. Suas lágrimas nunca chegarão a se tornar um rio, mesmo que transborde seus sentimentos. O mundo não vai sofrer porque você está sofrendo. Então para todos que sofrem só basta a força, a coragem calada e velada. A força de um herói é o que cala o bandido.

        A verdade que atormenta estaria ali sempre. Crua e cruel. Fria e mais salgada que a água do mar. Mais amarga do que fel. A verdade de um mundo injusto. De pessoas ruins. Se todos nós somos iguais, por que umas só fazem doer? Parecem que gostam disso. Como os criminosos que retiram vidas inocentes e depois caem na gargalhada. O mundo é tão belo para tamanha tormenta. A vida é tão bela para de repente se deparar com tal diagnostico torpe. O mundo está contaminado de almas cruéis e viciam e neutralizam as demais.

        A violência das ruas entrou em nossas almas e fazer o mal parece normal. Traição, falsidade e hipocrisia. Parecem nomes banais no cotidiano de cada um. Alguém vai agir ou vai passar por algum desses males. Ou tudo ao mesmo tempo e misturado. Venenos que entorpecem a vida mesquinha que se leva. O traidor de hoje não sabe, mas ele está matando um pouco o traído. Quando se é falso com alguém, você está criando formas para quem se sentiu atingido com sua arma sentimental venha a fazer algo parecido. O amor ficou tão caladinho, escondido em uma estante. Queremos mostrar o amor como prêmio e não como ação.

        Quem quer viver tenta buscar fugir desse veneno. Porém, em algum momento ele te contamina e você vira como qualquer outro. Mais um moribundo sentimental. Uma razão sem razão de viver. Se não há amor e as negatividades reinam, para que tentar sobreviver? Para mostrar que é legal? Nenhuma pergunta ou resposta será suficientemente esclarecedor. Nada mais basta para essa dor. A dor de saber que ao voltar ao seu mundo tudo estará como antes. Lígia e Cássia estarão no buraco triste de sua vida. E ela se sentirá sozinha, calada, silenciosa.

        Ela chega à frente de seu prédio. Olha para ele como um senhor maldoso e gigante. Tem que entrar ali, voltar a sua vida normal. Mas o que é ter uma vida normal? Viver aquele cotidiano viciante?

        Bruna respira fundo e entra. Como quem segue em direção a degola. Ela não quer ver mais Ligia, nem Cássia.

        Ela encontra com um amigo. Rodrigo. Negro, alto com um metro e oitenta e nove de altura. Seu corpo parecia ter sido esculpido pelos deuses gregos. Forte, malhado de academia. Ombros largos. Sorriso faceiro. Um olhar que combinava perfeitamente o seu jeito galã com um ar cafajeste que deixava muitas mulheres completamente seduzidas por ele. Lábios carnudos. Todas as moças que o beijou não esqueciam. E desejavam aquele beijo novamente. Não tinha cabelos, por puro estilo. Ele trabalha como instrutor de academia ali perto. Todas as senhoras queriam que ele estivesse ali perto. Seu horário era recheado de mulheres. E ainda faz faculdade de Educação Física. Vinte e três anos de pura sedução.

        Rodrigo a olha. Dá dois beijinhos em seu rosto. E ela pede um abraço. Aqueles braços fortes abraçam aquela menina.

Rodrigo – Gatinha, fiquei sabendo de tudo. Você pegava a Cássia?

Bruna   - Namorava com ela.

Rodrigo – Mas e essa lance aí com a Ligia?

Bruna   - Ela é louca. Eu a achava minha amiga. Mas ela ficou com a Cássia. E ainda ficou atrás de mim, dizendo que me ama.

Rodrigo – Então, você, Cássinha e a Li gostam de mulher. Colocar as aranhas para brigar.

Bruna   - Sim. Eu gosto. Amo. Mas, com essas duas não dá.

Rodrigo – Por que você nunca me disse isso antes?

Bruna    - Eu fiquei com medo de você não aceitar.

Rodrigo – Lógico que eu aceito. O sonho de todo homem é ver duas meninas transando. Viu. E agora? Vou ter que arranjar mulher com você. Vamos sair hora dessas.

Bruna    - Safado.

Rodrigo – Ah, Nuninha de minha vida. Você sabe que sempre te amei. Eu tou brincando. Mas sair nós vamos mesmo. Você se distraí. Pega umas mulheres. Leva pro motel. Eu vou com você para te deixar segura.

Bruna    - Não sei.

Rodrigo – Vamos sair para dançar.

Bruna    - Eu não sei dançar. Já você é incrível. Dança pacas.

Rodrigo – Eu danço só com você, se você quiser.

Bruna    - Nem vou achar ruim. Você é o homem mais cheiroso que eu já vi, aliás, senti na vida.

Rodrigo – Mulher gosta de pessoas limpas e cheirosas. Por isso estou sempre bem arrumado, perfumado, de banho tomado. Cuido dos meus dentes.

Bruna   - Com certeza. Pessoa fedorenta, sendo homem ou mulher não dá. Depois dos olhos, o nariz é o que mais precisa ser acariciado em uma conquista.

Rodrigo – E já que eu já fui feito lindo, tenho que cuidar. Só assim para fazer sucesso. Mas bora sair.

Bruna    - Aonde?

Rodrigo – Boate na Lapa. Demorô?

Bruna    - Aceito. Que dia e que horas?

Rodrigo – Sábado dez da noite, no máximo dez e meia. Eu pego você e vamos nos divertir como nunca.

Bruna   - Confio em você. Com você vou até para o inferno que sei que vou me divertir e rir muito.

Rodrigo – Então gatona. Está marcado. Você vai esquecer essa crise de mulheres loucas em cinco minutos comigo.

Bruna    - Com um gatão como você é fácil isso.

Rodrigo – Então, vou lá trabalhar. Cuida-se, Nuninha.

        Eles se cumprimentam carinhosamente e o rapaz vai para o trabalho.

        Ela vai para casa e se sente a vontade. Não encontrou com as duas. Estava até contente. Ficou com a Babi. Uma tarde de prazer. Embebedou-se de felicidade. Banhou-se de mar. Encontrou com um amigo e já tem algo para fazer no sábado.

        Bruna vai para o chuveiro quente e se deixa ser acariciada por aquela água. Estava se sentindo limpa. Por fora, se livrando do sal. E por dentro. O gozo ainda estava em si. Saiu do chuveiro. Ligou um som. Ouvia uma música que a deixava tranqüila. Estava nua. Aquele corpo tão bonito e completamente nu. O Sol lá fora era testemunha de sua beleza e este fazia questão de entrar pela janela e iluminar aquele corpo. Ela se vestia lentamente ouvindo Roberta Sá. Até fazia que fosse dançar. Depois se joga na cama.

        Fecha os olhos e lembra de cenas de beijos. Compara os beijos de Bárbara com os de Cássia. Cássia até podia ser mais amoroso. Mas Bárbara era uma mulher de pegada. E que pegada.

        Bruna sorri em seus pensamentos. Acha graça de sua desgraça. Talvez aquilo tivesse que acontecer para sair de um ciclo vicioso. Ela geralmente estava somente com Cássia e Ligia. Precisava ver mais seus outros amigos. E agora está começando a se sentir mais viva, mesmo que depois de uma morte do coração.

***

Monise
           
        Mais uma dose de loucura. Mais uma dose de vida. Nem que seja uma gotinha no fundo da garrafa da vida. É apenas isso que Monise deseja. Mais uma gota de alegria. Ou será que tudo virá numa gota de veneno? A dor que rasga o ventre e chega para si feito um filho que morreu feto. Uma semente do mau, plantada diante tanta beleza.

        Ela abre os olhos da verdade e sofre com todo esse Sol. Quer abrir o peito e não sentir arder. Dizer mais verbos. Respirar mais flores. Sentir o chão. Sentir as nuvens. Sentir…

        A vida é como fosse um livro em branco e cada fase de sua vida é um capitulo. E o capitulo da tristeza de Monise estava querendo dar um ponto final. Mas os pontos - vírgulas eram persistentes. Mas Monise pressentia que estava mais próximo que imaginava. A dor já estava sendo domesticada dentro de si.

        Não que ela esteja esquecendo o motivo de tamanha dor. Era impossível esquecer. Em todos os sonhos a dor vinha e te acordava. Em todos os olhos fechados. Em todas as lembranças do passado. Tudo fazia aquilo reviver como uma fênix dentro dela. Mas ela queria viver. Mesmo que seja só um pouco. E aquele desejo de tentar mais estava começando a fazer efeito cada vez que encontrava com Luciana.

        Luciana, com seu jeito alegre, apareceu feito uma fagulha de luz diante tamanha escuridão. Era essa a sensação daquela moça triste diante tamanha alegria da outra. Seria isso o começo de uma futura paixão?

        - Não. Paixão nunca mais. Ela é só uma amiga louca que me deu um selinho. Uma heroína dos loucos profissionais.

        Sim. Loucos Profissionais. São os loucos que não usam camisa de força. São os loucos do dia a dia. São os loucos de terno e gravata no Sol de 40°C. São os tristes. Deprimidos. Eufóricos. Contentes. Bêbados. Delinqüentes por esporte. Tantos loucos profissionais existem neste mundo completamente insano. Talvez tenha mais pessoas assim, do que os normais. Ser normal é algo que até soa como o seu contrario.

        Monise olha pela a janela. Respira fundo. Sente o cheiro da fumaça que vem dos carros. Escuta a buzina. Gritos.

- Realmente é um mundo de malucos.

Como respeitar um mundo onde ninguém se respeita? Que um contradiz o outro? Onde a hipocrisia reina. Onde os “reis” são os que vomitam podridão.

Romper horizontes imperfeitos. Se jogar contra o verticalismo ignorante. Ir. Somente ir. Além do que se habituam a seguir. Ir. Somente ir. De acordo que é necessário e não o que lhe forçam. A força nunca ganha rosas. É a necessidade de quem realmente precisa viver. Sobreviver a tamanhas fontes de lágrimas ácidas. Sob-viver.

Nas verdades que não fazem sentido diante terremotos sociais, se busca um mapa. Um olhar que guia. Uma vontade de se guiar através do que se tem medo. O amor. Este é o mapa de uma vida em paz. O amor verdadeiro. Não importa qual. Apenas o amor pode te livrar do labirinto das paixões.

- Amar. Quem sabe um dia eu possa novamente.

Os pensamentos de Monise se misturam. Brigam entre si. Entre a vontade de sair do abismo e a vontade de conhecer o abismo marítimo. As lágrimas não escorrem mais. Elas a afoga por dentro. Deixa a vontade de sair a nado sucumbida.

Ela se encontrava dentro de um lugar dentro de si sem nome, sem cor, sem pele, sem nada. Um lugar parado e silencioso. Um deserto defronte a uma fonte de água limpa. Mas seus pés não caminham. Tudo parado. Até o ar não dá origem a vento.

- Será que vou um dia repetir aquela frase que eu prometi que nunca mais diria?

***

Luciana

        A cama parecia uma imensidão. Ela estava ali. No universo calado de seu quarto. Enquanto seus olhos e mente viajavam um barulho na porta rasgava o tempo calado da moça. Era Gustavo. Ele se aproximava. E sentava na cama e ficava a olhar. Luciana olhava o teto mágico, que a levava para outra dimensão. Para Gustavo o corpo da moça era o tal labirinto onde ela se via perdida.
       
        Suas mãos se procuram. Seguram-se. Amam-se. Ela o olha, ainda confusa, e o abraça. Seus corpos são um só. Um coração partido em dois. Uma alma partida em duas. E agora novamente de mãos dadas olham os dois para o teto. Sem uma palavra ser dita. Apenas a presença um para o outro é uma fonte de segurança. Algo que não se encontra em qualquer esquina.

        - Gu. Estamos tanto tempo juntos.

        - Eu sei.

        - Às vezes queria ficar sozinha. Mas tenho tanto medo da solidão. Tenho tanto medo de tantas coisas. E quando você se aproxima. O medo de tudo vai embora. Eu não sei explicar. Quando estou perto de ti eu te amo muito mais do que quanto estou longe. Quando estou longe penso em tantas coisas. Tantas pessoas.

        - Eu sei que você é assim. Já pensei mil vezes em terminar mil vezes com você. Mas prefiro te ter um pouquinho que seja. Uma migalha sua que posso ter do que não ter nada. Sei lá. Pode falar que sou viciado em você. Talvez eu seja. Uma obsessão. Só sei que só sei ser seu. E só consigo te ver comigo.

        - Será que estamos ficando loucos?

        - Estou louco desde a primeira vez que te vi. Lembro daquela menina levada. E hoje é uma mulher tão linda. Você me deixa louco a cada olhar. A cada falta sua. Fico com ciúmes. Fico louco querendo te acompanhar nessa sua corrida pela a vida. Mas me sinto com pernas curtas. Mas a loucura que tenho por você me dá força.

        Luciana tem lágrimas nos olhos e um sorriso no rosto. Ela dá um beijo demorado e terno no rosto do namorado. Passa a mão em seu rosto. E esse rapaz enxuga as lágrimas que correm de encontro ao queixo daquela menina. Menina que agora corre pra ser mulher. Cada vez mais mulher e menos menina.

        Os olhares do teto foram agora para um dentro do outro. Um para a alma do outro. Aquela alma partida, que antes era uma e agora duas rasgadas. O olhar era fixo. Cheio de lágrimas e desejo. Desejo de ser feliz e ir além do que os pés possam ir.

        Suas bocas se encontram com força com tristeza. Suas lágrimas deixam o beijo com gosto de mar. Sentem como estivesse próximo de ser o ultimo. E ao mesmo tempo uma saudade do primeiro.

        Seus corpos tiram as roupas quase que no automático. Queriam sentir um o corpo do outro. O calor que existe dentro do porto seguro. Ele sem camisa e ela apenas com o sutiã. O rapaz a beija pelo pescoço e desce aos seios. Beija e chupa os mamilos. A moça começa a se contorcer de prazer. E deixa seu corpo completo para ele. Aquele que foi seu primeiro e único homem. Primeiro sexo. Primeiro beijo.

        Ele tira de vez o sutiã da moça e a calça dela. A deixando somente de calcinha. Ele esfrega seu corpo naquele corpo delgado e ao mesmo tempo forte por pratica de esportes.

        Ela abre os braços e fala que o corpo pertence ao rapaz. Ele atende ao pedido de sua dama. Retira a calça. Agora os dois a um ponto da nudez total. Ele beija o corpo ela se estremece. Ele retira a calcinha da moça e começa a fazer um lento e fogoso sexo oral.

        A moça gemia bem baixinho. Um gemido que o enlouquecia. E dava animo para fazer tudo ainda mais rápido e forte. Mas ele sabe o quanto mais demorar a penetrá-la, mais prazer a moça terá. Ele a vira de costas e passa seu sexo em seu ânus, sem penetrar. Apenas para ela sentir a sua rigidez.  Mordia suas costas e ombros. Segurava em seus seios e beijava o pescoço.

        Seu pênis doía de tão duro que estava. Mas ele queria agüentar ainda mais. Virou novamente a moça e a beijou a boca. E já sem cueca esfrega o pênis no clitóris da menina. Quer que ela não agüente de excitação antes de a penetrá-la.

        Ele coloca a mão na vagina da namorada e vê o quanto está molhada e não agüenta mais. E com toda força e desejo ele enfia aquele pedaço dele dentro de sua amada.

        Daí para o fim daquele momento de fim de amor foram trinta minutos de gemidos. Pequenos gritos. Suores. E gozo.

        Ela o olho após o ato. O rapaz estava deitado sobre o seu corpo, cansado. Ela colocou a mão em sua cabeça, fez cafuné e teve vontade de chorar. Segurou as lágrimas. Ele beijou o rosto, sem mudar o corpo de lugar.

        Luciana virou o rosto e uma lágrima escapa. Ela pensa que aquela foi a ultima vez que estiveram tão dentro um do outro. E o final, não importa como e quando é. Sempre dói.

         O rapaz levanta de cima da namorada. Vê que a moça chora. Enxuga a lágrima e fala que não importa o que aconteça, que ela sempre poderá contar com ele. E ela fala que está preocupada com tantas coisas que às vezes só precisa de um abraço.

        Eles se abraçam.

        O rapaz e a moça se vestem. Ele se despede dela. E ela fica em seu lar. Respira e se sente protegida. Mas ainda com muitos medos.

        O celular toca.

        - Alô?

        - Luciana?

        - Julia?

        - Você está bem?

        - Sim. E você? Como está? Fiquei preocupada.

        - Foi tudo grotesco o que aconteceu. Mas está tudo bem. Precisava ouvir sua voz.

        - Também. Ainda bem que você está bem. Aquele maníaco fez o que com você?

        - Ele me obrigou a transar com ele. Eu fiz, porque ele me ameaçava e dizia que ia atrás de você.

        - Que ódio. Que ódio. Esses homens não entendem que duas mulheres podem ser felizes?

        - Pior que não são somente os homens. Muita mulher não aceita e vê isso como algo doentio. Somos de um mundo machista.

        - Tenho tanto medo às vezes.

        - Você ainda tem um namorado para lhe defender. Complicado é quando todos descobrirem do que você realmente gosta.

        - Tenho medo disso, sabia. Não consigo imaginar a reação do Gu quando souber que fico com mulheres. Tenho medo de decepcioná-lo. Mas um dia terei que dar um fim a tudo isso.

        - Entendo. Ele parece ser um bom rapaz. Mas assim, por que você o namora e fica com mulheres?

        - Eu sinto algo por ele que eu nunca senti por ninguém. Uma vontade de ficar perto. Mas ao mesmo tempo quero me divertir. Quero me apaixonar. E isso eu só tenho com mulheres. Eu não sinto atração por outros homens. Somente por ele.

        - Mulheres são apenas para diversão?

        - Não isso, exatamente. Mas preciso ter uma mulher. Eu me apaixono por mulheres. Mas não consigo largar o Gustavo. Antes de você me ligar, ele estava aqui em casa.

        - O que você sente por mim?

        - Eu gosto de você. Penso em você muitas vezes. Meu coração está até batendo mais forte ao ouvir a sua voz.

        - Eu nem sei. Se eu for pega nunca mais trabalho como professora e ainda posso ser presa. Não sei se quero me arriscar sem ter um motivo real.

        - Entendo. Você tem muito mais a perder do que eu.

        - Não é bem isso. Quero ficar com você mais vezes, mas é muito risco por pouca garantia.

        - Eu vou poder te responder todas as garantias que você terá. Mas eu preciso me encontrar. E você é uma pessoa especial. Nunca vou querer te magoar ou te prejudicar.

        - Você é uma menina linda. E é impossível dizer não para você.

        - Impossível é não querer você.

        - Bem, moça linda, eu tenho que desligar. Tenho que seguir a minha vida.

        - Vamos nos ver amanhã?

        - Sim. Sim…

        - Fico feliz de ter ouvido sua voz e saber que mesmo após tudo que aconteceu você ainda está forte.

        - Não é qualquer homem nojento que vai me derrubar.

        - Beijos.

        - Beijos. Até mais.



sábado, 25 de dezembro de 2010

16º capítulo – “o avesso do avesso do avesso do avesso”


Catherine

Quando estiver sozinha
Escreva uma singela carta
Escreva para mim.
Quando o mundo te atormentar
Estarei aí dentro de você.
Escreva sobre seu amor.
Sobre suas tristezas.
Sobre seus pensamentos.
Sou seu amor não amado.
Sua pergunta entalada.
Então escreva
Tudo que sente.
Não deixe ninguém te desanimar.
Não deixe o mundo te jogar para baixo.
Eu sou mais um porquê
Mal explicado
Mas amado.

        Cat escreve inspirada em algo que ela não tem certeza que tem. Escreve porque necessita. Temos que jogar fora o que temos por dentro, que nos leva ser escravos. Somos seres sensíveis, mesmo que lutemos para criar uma carapaça para nos esconder. Um jeito frio e cruel. Somos atores de um cotidiano mascarado.

        Dentro da poesia cinza de cada dia, Catherine busca desculpas para encarar o Sol lá fora. A verdade é que viver só de sexo, só de diversão não é a real vida de ninguém. Às vezes ela até torce para que algo aconteça para ela não viver mais. Não é depressão. É cansaço. O que fazer para sair desse caminho vicioso? O que fazer para não sofrer por amor?

        Dentro de uma cidade tão grande. Um lugar tão belo que ela sempre sonhou em viver. Catherine busca inspiração para que seus dias sejam melhores. Mais do que uma companhia para a cama vazia, mas algo que aqueça seu coração. Às vezes sente falta de onde nasceu e viveu sua infância. Sente falta de sua mãe, a lembrança mais doce de uma mulher. Saudade de seu pai, que a quanto tempo já não o vira. Saudade de seus irmãos e primos. Vizinhos fofoqueiros e tudo mais de bom e ruim, que a trouxe até ali. Hoje ela tem a vida que sempre quis e descobriu que não era nada disso que queria.

        A manhã é uma noite ensolarada. Tudo pode acontecer em um mesmo dia. Ou em diversos dias. Basta querer. O problema é ter vontade de querer. Ir além do querer. E apenas querer. Querer ser feliz. Querer ser amada. Querer sorrir. Querer…

        A garrafa de vinho já havia terminado. Os cigarros também. A dor continuava. As duvidas da vida também. A vontade de gritar se enroscava em sua garganta. As lágrimas chegavam à beira dos olhos. Ela não entendia porque estava assim. Apenas estava.

        Não havia mais nenhuma droga em sua casa para Catherine pedir um falso socorro. Só tinha ela, papéis, canetas, instrumentos musicais e ela mesma. Tinha vontade de escrever mais. Vontade de colocar uma carta em uma garrafa pedindo socorro além daquela ilha de momentos tortuosos.

        Ela corre ao banheiro. Tenta vomitar. Não consegue. Tenta se olhar no espelho. Não consegue. Lava o rosto com a fúria de uma mulher em brasas. Senta no chão e chora. Chora como uma criança com saudade da mãe. Chora em busca do “eu” perdido dela.

        Ela escuta um barulho. É a campainha. Ela agora terá que ter força para levantar, vestir sua mascara de mulher fatal e tentar atender.


***

Alicia

        Alicia chega a seu atelier, conversa com a mãe e alguns empregados e sai de imediato. Sente a conversa da irmã em seu corpo. E acelera o carro. Quer fazer uma loucura hoje. Quer estar perto da felicidade mais um dia. Perto da vontade de enlouquecer. De correr. De ser mais menina, mais criança. A sua suave timidez, que tanto encanta as pessoas, ela resolveu deixar dentro do armário. Hoje queria ter na alma e pele a fome de uma pantera.

Chega a um prédio de aparência antiga. Sobe todos os degraus correndo. Seu sorriso era encantador. Parecia que tinha só para si todo o contentamento do universo. Quando chegou na porta desejada estava cansada e transpirava. Respirava para pegar fôlego e fazer o que estava para fazer.
Parou por alguns minutos para tentar ver o que iria falar. Pensou em algumas desculpas. Falar que acha que perdeu um brinco na casa dela. Ou que estava passando por lá e que queria ver se estava bem, porque estava sem telefone. Ou, melhor, pedir para ela tocar em algum evento de arte que ela está planejando. E olha que nem está planejando nada. Mas não deixa de ser uma boa idéia. Sim, será essa a desculpa a ser dada. Ou todas juntas. Ou nenhuma. Assim que a porta se abrir ela roubar um beijo típico de cinema.

Ela senta e tenta descansar e voltar a si. Mas a empolgação a impede disso. A ansiedade a impede disso. Quer mostrar para ela mesma que pode ter um caso com alguém. Que pode ter apenas uma transa e mais nada. Quer mostrar que não precisa de Vanessa para ser feliz. Que é uma mulher linda e desejada. Que pode ter a mulher que quiser. E se quiser ficar com homem, também poderá ter o homem que quiser.

É isso. Esse é o plano. Ficar com todos os homens e mulheres que pudesse encontrar. Todos que a desejassem. Até lembrou do Marco. Quem sabe ainda aproveita daquele corpo de homem.

Falta pouco para a coragem voltar e ela tocar a campainha.

Ela resolve fazer uma contagem regressiva.

10

9

8

7

6

5

4

3

2

1

Alicia toca a campainha de Catherine.

***

Alicia e Catherine

        Catherine está aflita.
       
        Alicia está sedenta.

        Catherine está assustada com a vida.

        Alicia resolveu ligar o “dane-se” para a vida e tentar ser feliz.

        Catherine sente falta do que ela nem sabe bem o que é.

        Alicia só quer esquecer.

        Catherine atende a porta, já com olhar confiante de sempre. Alicia a sorri, aperta sua mão e entra mesmo sem ser convidada. Catherine fecha a porta. O silêncio é por pouco tempo.

        - Quis te ver.

        - Estive pensando em você.

        - Como é engraçado. Eu também.

        - Pois é. Quer sentar?

        - Aceito.

        - Quer alguma coisa? Água, suco? Sei lá. Qualquer coisa eu posso pedir alguma coisa por telefone.

        - Não precisa. O que eu quero você tem aqui.

        - O que?

        - Bem. É. Você.

        - Ahm?

        - O seu talento. Assim. Acho que esqueci meu brinco aqui. Não. É que passei aqui e quis vir te ver. De verdade. Bem…

        - …?

        - Estou para realizar um evento. Vou fazer uma exposição de artes. E queria saber se você não gostaria de tocar.

        - É isso?

        - Sim. É. Eu quero o seu talento como meu aliado.

        - Tudo bem. Quando vai ser?

        - Bem. Ainda não sei direito. Tenho que ver direito. Assim.

        - Bem, você veio aqui para me chamar para um evento que você não sabe bem o que é, nem quando vai ser.  Certo?

        - Eu não sei o que acontece, mas perto de você fico meio boba.

        - Você fica linda assim com o rosto vermelhinho.

        - Assim você me deixa ainda mais sem graça.

        - Desculpe, não foi minha intenção.

        - Sabe, estive conversando com a minha irmã. Ela foi morar lá em casa. E está pegando no meu pé.

        - Com o que?

        - Para eu ser feliz.

        - Isso é bem importante.

        - Sim. E ela queria que eu ligasse para você.

        - Ela não é casada?

        - Era, mas não é para ela. É pra mim, entende?

        - O que tem a ver sua felicidade com uma ligação para mim?

        - Isso…

        Alicia agarra Catherine e a beija. De verdade foi apenas um selinho. Ela depois se levanta. Catherine fica a olhando sem saber que reação ter.

        - Desculpe. É. Você é linda e eu tenho vontade de te conhecer mais.

        - Entendo. Você que é linda.

        - Ai. Acho que vou embora.

        Catherine a levanta e segura seu braço e a beija. Um beijo não só de desejo, mas de carinho. Um beijo diferente dos que ela tenha dado nas ultimas mulheres em que beijou. Um beijo demorado. Um beijo sem pegar na bunda. Um beijo de mãos dadas.

        Após o beijo bem dado, Alicia sorri timidamente e sai do apartamento de Catherine que fica sem entender o que aconteceu. E Alicia entra no carro sem saber o que pensar. Um medo de alguma coisa tomou conta das duas.


***

Bruna

        Bruna resolve que só por hoje vai esquecer de tudo isso. Ela desiste e não entra em seu prédio. Vai para a praia. Toma banho de mar apenas de calcinha e sutiã, volta a vestir a roupa, fica toda encharcada com sua blusa branca, aparecendo um pouco os seios. Vai para um bar onde estava tendo uma roda de samba. Senta com os sambistas e canta. Bebe. Come. Começa a conversar. A criar junto com eles. Muitos se sentiram seduzidos por aquela moça molhada de mar. Ela sorria. Esbanjava sedução. E depois agradece a música e a companhia e sai de lá.

        Sai como fosse uma louca. Chega de tudo isso que a faz triste. Quer ser feliz. Toda mulher tem direito inconstitucional de ser feliz. Ela come qualquer coisa em cada bar que entra. Bebe toda bebida que a oferecem. E sai solta. Bicho louco sem rumo. Se soltar daquela prisão de boa menina, boa filha, boa irmã, boa amiga e principalmente, boa namorada. Não quer saber de mais nada. Quer enlouquecer.

Encontra Babi na rua indo para sua casa. Dança com ela um samba no silêncio. Ela cantarola e dança com a jovem que curti a loucura e entra na brincadeira. Começam a cantar e a dançar. A sambar. Bruna beija a parceira de dança. A cumprimenta com gestos e olhares. E diz que hoje ela é da rua, do mundo. Que não voltaria para casa antes de aprender a ser feliz sem aquele velho mundo.

Estava vendo a vida com outros olhos. Nem que seja por minutos, por horas. O importante é reacender seu jeito menina louca. Toda mulher tem um lado completamente alucinado dentro de si, porém, quando usado, pode não ter mais volta. E assim que ela se sente. Alucinada. Como se Ligia e Cássia nunca tivessem existido. Vivia como se estivesse sonhando. Saindo daquela armadilha que é a vida condicionada.

Mesmo que entre em uma espiral suicida. Mesmo que saia com todas as mulheres do mundo. Mesmo que se drogue, se abuse, se esqueça. Ela necessita fazer qualquer coisa para tirar tudo de ruim de sua vida. Tudo que a magoa, que a joga para baixo. A vontade dela é viajar para algum lugar que elas não existam. E nada melhor que um mundo louco. Na loucura não existe aquela vida que estava habituada.

Babi ficava ali, olhando, com um sorriso malicioso em seu rosto a atitude da pretendente a amante. Ela resolve convidar a jovem para ir a sua casa, trocar de roupa. Fala que vai jogar vôlei com a Luciana depois do almoço. A convida para almoçar. Bruna aceita o convite de ir até lá, mas não para comer. Já havia beliscado. Bárbara insiste até chegarem a sua casa. As duas almoçam. Conversam alegremente.

Na casa só tinha as duas. Bruna fica nua na frente da Bárbara. E a chama usando apenas um dedo. A estudante de ensino médio resolve se afogar naquele desejo. Naquele perigo que hoje atendia pelo nome da suave Bruna. E elas transam. Com força, violência do desejo daqueles corpos. O corpo ainda salgado de Bruna atiça ainda mais os desejos de Babi. Elas se querem, nem que seja apenas por um momento. Somente para uma transa. Elas se querem.

Após o ato, as duas nuas correm pelo quarto de Bárbara em uma brincadeira de gato e rato, para recomeçar. E elas se agarram e se penetram. E gritam e gemem. Deixa aquela cama de solteiro em chamas. São bocas, dedos, língua e fome de sexo.

Bárbara pega uma garrafa de uísque de seus pais. E as duas tomam. Fazem careta. Riem. Bruna joga um pouco no corpo de Bárbara e toma assim aquela bebida. Espalhada naquele corpo, lindo, nu. Era uma entrega de dois corpos. Não havia amor, nem cobrança. Apenas sexo. E diversão é necessário dentro de uma busca de felicidade, na qual se deve romper com o que lhe incomodava antes.

***

Monise

        Qual é o avesso da depressão? Pois é. Nesse dia em que parece que os papeis se inverteram, o de Monise não seria diferente. Ela que busca a morte, que está sempre entregue ao desespero, se desliga um momento de sua dor angustiada. E resolve cantar. Resolve se divertir. Sim, Monise está se sentindo feliz. Que dia diferente.

        Começa a escutar “Gatas Extraordinárias” cantada por Cássia Eller. E vai se entregando a esse som envolvente. Jeito de menina levada. Parece que a alegria e loucura de Luciana passaram para ela como se fosse um vírus transmitido por beijo roubado. Ela quer pegar a vida à unha nesse momento. Tem que se aproveitar cada gota de insanidade.

        E a música troca. “Pro dia nascer feliz”. Que canção mais apropriada para o momento. Nadar contra a corrente. E ser feliz.

        Ela começa a pular. A cantar. A gritar. A ficar rouca. E sua mãe corre a seu quarto para ver o que está acontecendo, e a filha a convida para entrar naquela dança solta. E a música troca em seu computador. Mas o ritmo continua agitado. E dançam. E cantam. Mãe e filha começam a suar. Rebolar até ao chão só para rir depois.

        A mãe se diverte e diz que tem que ir. Sua filha pergunta se pode faltar a terapia hoje. E a mãe permite. Desde que ela continue alegre daquela forma. Monise prometeu que ficaria feliz o dia inteiro. Sua mãe enxugou o suor que se confundia com lágrimas de alegria. E beijou sua filha. A abraçou. Fez cócegas. Aquela era a sua filha. Ela sempre foi alegre assim. Parece que tudo de ruim tinha ido embora.

        Agora, sozinha, Monise começa a escutar samba. Sim. Samba. Jorge Aragão. Gente que gosta de boa música escuta de tudo. E começa a sambar. A dançar devagarzinho. Pega o travesseiro e o faz de parceiro de dança. De loucura.

        Quer aproveitar cada instante enquanto a loucura corre em suas veias. Enquanto aquele doce vírus que a contaminou está ali. O vírus da alegria. Pensou com carinho em Luciana e reviveu cada segundo daquele beijo roubado. Tanto tempo que não sabia o quer era um beijo. Ainda mais daquele jeito. Não é caso para amar, mas para aproveitar a alegria.

        Se você está triste. Deprimido. Infeliz. Viva um dia de loucura. Faça tudo que você nunca teve coragem. Essa é a forma mais saborosa para se reencontrar. Talvez para se descobrir deve ir até o final do labirinto. E hoje é o dia em que a Monise foi até o fim. Da onde? Não sabe bem, mas foi. Apenas foi.

***

Luciana

        Luciana entra em sua casa. Não quer comer. Não quer conversar. Não quer beber. Quer apenas seu quarto. Seu silêncio e pensamentos. Alimenta-se de uma breve lembrança. Depois inúmeras lembranças começam a fundir em sua mente. Lembra de sua professora Julia e pensa em Monise. Tem como se apaixonar por duas pessoas?

        Ela deita em sua cama. Sofre com o possível sofrimento das duas mulheres que povoaram sua mente. Monise e sua dor interminável. Julia que foi condenada por seu desejo desenfreado. Sofre porque seu coração é bom.

        Ela não quer estudar. Não quer levantar. Não quer fazer nada. Apenas sofrer. Diferente da Luciana de todos os dias. Ela está em um momento difícil. Parece que a loucura e alegria de Luciana ficaram mesmo com Monise. Uma transfusão de sentidos e sentimentos. Sentiu vontade de amar Monise. Mas também quer ainda a professora. Lembrou de Gustavo, o seu namorado.

        - Por que eu ainda o engano? Acho que em breve não poderei mais ficar assim. Gosto dele. Sinto-me bem e segura ao seu lado. Mas, minha vida pertence às mulheres.

        Pensou em ligar para terminar com ele. Mas não teve coragem. Não quer magoar quem esteve sempre ao seu lado. E agora o que sente são apenas destroços de amor. Pingos de paixão. Talvez algo mais fraternal do que outro sentimento. Beijar Gustavo é tão estranho como beijasse um irmão.

        E ela pensa naquele jeito frágil de Monise. Aqueles cabelos. A tatuagem e piercing. Aquela boca. A tristeza em seus olhos, mesmo quando vê que está contente.

       


- Essa menina guarda alguma coisa. Ainda descubro. E Julia? Será que está bem? E eu? Será que estou bem? E se ela foi estuprada? Sentirei-me tão abusada como ela. E se tiver morrido? Sentirei-me tão morta como ela. Se ela estiver triste, ficarei triste também. Meu Deus, como alguém pode pensar em tantas mulheres como eu? Tudo bem que são apenas duas, o Gustavo é delicado, mas não é mulher.

        Respira. Inspira. Respira. Inspira. Respira. Inspira. O dia parece que não nasceu. Parece que tudo virou de cabeça para baixo. Respira. Inspira. Respira. Inspira. Os pensamentos na velocidade de uma dança desconexa. Respira. Inspira. Respira. Inspira. Saudade de alguma coisa que lhe aperta o peito, a alma. Respira. Inspira. Respira. Inspira. O choro querendo correr. A vontade de correr. De sumir. De perguntar. De saber. Respira. Inspira. Respira. Inspira.

        - Estranho, Até agora a Babi não deu sinal de vida.

        Respira. Inspira. Respira. Inspira. Que mundo é esse, na qual tudo parece invertido? Respira. Inspira. Respira. Inspira. Aonde vai a vida? Aonde vai a sina? Preciso de um gole de qualquer coisa. Respira. Inspira. Respira. Inspira. Deixa ir. Deixa voar. Pensamentos loucos. Esquizofrênicos. Sentimentos. Respira. Inspira. Respira. Inspira.

        Luciana resolve ficar em casa. Bárbara não liga, nem aparece. Nada. E Luciana quer só a cama de companhia.

Respira. Inspira. Respira. Inspira. Respira. Inspira. Respira. Inspira. Respira. Inspira. Respira. Inspira. Respira. Inspira. Respira. Inspira. Respira. Inspira. Respira. Inspira.