sábado, 27 de novembro de 2010

12° capítulo – passando pela noite

Catherine e Luciana


- Enfim… ta ficando meio tarde.

- Pois é, e eu ainda vou dormir sozinha.

- Você sempre dorme acompanhada?

- Bem… ahm… de fato, dormir, eu quase não durmo. Dormir é mais força de expressão do que um ato em si.

- Então, você trepa todos os dias.

- Tem dois anos que é bem por aí…

- Você tem noção de quantas, você já traçou?

- Parei de contar aos dezessete anos.

- Estou com medo da resposta, mas vou perguntar: Por que parou aos dezessete?

(risadas das duas)

- Por três motivos. O primeiro, que eu não achava mais graça em contar. Ah, sei lá, fazer contabilidade sexual é meio estranho. Segundo é que eu já estava perdendo a conta. Muita gente, muita vodka, pouca memória. Terceira é que eu nunca fui boa em matemática mesmo.

- Muita vodka? Muita gente? Contabilidade sexual? Ruim em matemática? Puta que pariu. (risadas) Cat, você é demais. Eu morro de rir com você.

- Querida, na hora que você largar o chifrudo, vai ser que como eu.

- Eu?

- Você é safada. Tem potencial para isso. Moça criada a mel. Está em seus olhos que você vai ser como eu.

- Nada… eu gosto de namorar.

- Eu já gostei um dia.

- Você já namorou?

- Não quero falar disso não. Vamos! Vou te levar para casa e conseguir a de hoje.

- Precisa me levar não.

- Precisa sim, que você é ainda criança.

- Que nada, Cat.

- Let’s go, baby. Vem comigo que tudo é mais divertido. 

- Você é louca.

- Nada… Eu só vivo demais.

- Vai acabar vivendo pouco tempo.

- Prefiro muito em pouco a pouco em muito. E vamos logo, antes que eu comece a ficar sóbria.

- Você é louca mesmo.

- Você não viu nada. Um dia olhe no espelho. Você vai ser mais do que eu.

- Eu já disse. Eu gosto de namorar…

- E de trair. Eu pelo menos sou honesta. Não traio. É sexo e acabou. Amor é foda. É dramático demais.

- Mas…

- Nada de “mas”… Vamos lá, baby. A noite é uma criança e nós os seus brinquedos prediletos. Estou com vontade de fazer cócegas no universo.

- Ok! Ok!

A noite estava iluminada como sempre na cidade cartão postal do Brasil. Os sorrisos das pessoas que estavam por ali ajudavam a iluminar ainda mais aquela noite irresistível. Cat e Lu eram as mais sorridentes dentre todos. Riam daquele momento de estarem juntas. A felicidade parecia a companhia perfeita daquelas duas jovens. A mais velha das duas mexia com as mulheres e também com os homens, que passavam por elas. Uma linda ruiva olhou em seus olhos e deu um sorriso encantador. A cantora pegou no braço da moça, puxou-lhe para perto e sussurrou algo em seu ouvido, que fez a moça lhe pedir o número de seu telefone. Catherine falou o telefone, que foi anotado no celular. Um selinho selou aquele instante sedutor.

- Cat, o que você disse para aquela garota?

Catherine abre um sorriso, passa as mãos em seus cabelos lisos, olha a jovem amiga.

- Eu disse que a minha cama ainda está vazia nesta noite.

- Você a conhecia?

- Nunca a vi. Mas no exato instante que ela me viu, me desejou fudendo com ela. Resolvi realizar o desejo dela.

- Ela vai ligar?

- Com certeza. O problema que hoje eu não quero só uma.

- Ainda estamos na rua, pode encontrar com mais dez.

- Eu vou encontrar uma pra você também.

- Nada, eu na preciso de dicas. Eu consigo pegar quem eu quiser.

- É?

- Lógico.

- Vamos testar a sua habilidade de pegar mulher na rua.

- Mas como saber se a mulher vai topar? Ela pode ser heterossexual.

- Querida, toda mulher, não importa religião, cor, credo, tipo físico, no fundo é bissexual. Até a gente no fundo somos bissexuais. Não existe alguma mulher totalmente hetero ou lésbica. Somos todas “farinha do mesmo saco”. Uma hora ou outra provamos do que geralmente dizemos que não gostamos. Até as que falam que não curtem, que tem nojo, tenha certeza, em algum momento ela sentiu ou virá sentir desejo por alguma mulher. O importante é saber o que falar para elas. A palavra é a maior arma para tudo. Você pode causar guerra, paz e sexo com as palavras certas, ou não.

- Então, o que eu devo falar para as mulheres.

- Primeiro não vai ir a qualquer mulher. Tem que deixar que ela queira te caçar. Mulher é muito mais caçadora que os homens. Eu ouvir dizer que são leoas que caçam e não os leões. Se isso realmente é verdade, faz todo o sentido. A nossa sociedade, até no principio dela, fala que o homem é que escolhe. Não é bem assim. A mulher faz coisas para ser escolhida pelo o homem que ela escolheu. Elas só os deixam chegarem, se não eles não teriam serventia. Daí ficou com essa que o “cara que tem a pegada”, que “o cara que tem que chegar”. Mas a mulher que quer, vai dar o sinal que quer. E nós mulheres somos mais sensíveis a esses sinais. Percebemos facilmente quando elas querem. É só reparar os olhares, a boca, o jeito de andar que muda. A mão no cabelo. Repare nos detalhes, moça.

- Aquela de saia verde olhou para cá.

- Ela vai encontrar com alguém mais a frente. Veja o olhar de quem está ansiosa, preocupada e atrasada. Se for lésbica é passiva com 100% de certeza.

- Como você tem essa certeza?

- Mulheres de modo geral, quando querem dar, chegam atrasadas. É uma forma de saber se o macho realmente quer. Se esperar, e dependendo de como ele a receber, tenha certeza, eles vão parar na cama. Ativas geralmente chegam na hora ou um pouco antes. Se chegarem atrasadas elas terão um bom motivo, ou estão fazendo o esquema da passiva. Ver se a caça deseja ser caçada. É uma ótima tática. Se um dia quiser comer uma garota, pode fazer isso. Mas não se atrase muito, se não ela ficará com raiva e vai embora, ou vai achar que você não quer muito. Tudo tem que ser equilibrado nesse jogo de sedução.

- E essa de vestido florido?

- Essa gata?

- Essa mesmo?

- Linda.

- Muito mesmo.

- Já comi.

- Ahm?!?

- Samantha!

- Catherine?

- Oi gata. Tempo que a gente não se vê.

- Pois é, Cat. Saudade de seu apartamento. Está do mesmo jeito?

- Hoje minha cama está vazia.

- Pára de mentir que eu sei que sua cama nunca está vazia. Alias, deve estar vazia agora, pois você está aqui. Mas logo estará bem cheia.

- Vem preencher esse vazio de minha existência.

- Eu não sei. Estou namorando.

- Isso nunca foi problema para você.

- É, mas o garotão da vez é policial. Ciumento. Já ameaçou um cara que assobiou para mim.

- Ah! Tenho medo de homem não.

- Dele você tem que ter. Ele é chato com isso de ciúmes.

- E por que está com ele?

- Ele me come gostoso e eu preciso ter um namorado para minha família não perturbar.

- Leva ele lá em casa. Aposto que ele vai querer ver a mulher dele com outra. Todo homem gosta.

- Não sei. Tenho medo de ele fazer algo com você.

- Pergunta só se ele não curte. Tenho certeza que curte.

- E se ele quiser entrar no meio.

- Daí eu e ele comemos você.

- E se ele quiser te comer.

- Hum… complica.

Lu: - Você não disse que toda mulher é bi?

Cat: - É… você tem razão. Sam, Se ele quiser me comer, eu dou, mas eu tenho que comer você.

Sam: - Ok. Vou dar essa idéia para ele.

Cat: - Você tem meu telefone, não é?

Sam: - Tenho. É um número que nunca se deve perder. Meu disque sexo infalível.

Cat: - Me liga. Tenho sempre alguma hora para você.

Sam: - Ligo sim. Quem sabe ainda hoje não pode rolar uma festinha intima.

Cat: - Acharia perfeito.

Sam: - Ok. Vou encontrar com ele. Depois te ligo.

Cat: - Olha, hoje deve ir outra menina lá.

Sam - Quer marcar para outro dia, então?

Cat: - Não. Quanto mais, melhor.

Sam: - Está ok. Tenho que ir. Até daqui a pouco.

         Samantha se distancia das duas. E elas continuam a caminhada analisando cada olhar, jeito de andar, de se vestir, de falar e se mexer de cada mulher que passava perto delas. Luciana ria, mas prestava atenção em Catherine como uma aluna e a outra como a sua mestra. Aulas de sedução? De aproximação? Aulas de como perceber o interesse da pessoa do mesmo sexo? Era aula de como se esquecer do dia a dia e se voltar para a alegria. Alguns apontariam um dos sete pecados, a luxúria, como a lição ali dada, mas vai, além disso. Luciana estava aprendendo sobre ela mesma, pois ela é mulher e ser humano. 


***
Alicia

         Alicia e Al. Duas irmãs que se amam, porém, são tão diferentes em atitudes e pensamentos. A doçura de uma contrasta com a acidez da outra. Alicia pensa. Al faz. Alicia se choca. Al choca. A caçula sempre chorou mais por amor. Sofre com gosto a fossa. Al sofre e toma atitudes para não sofrer mais. Alan, o irmão mais velho e único hetero, tem comportamento do perfeito galã-canalha, ele que provoca as lágrimas. 

         A atitude de Al de transar dentro do elevador panorâmico, após terminar um relacionamento de seis anos, assustou Alicia, porém, ela nunca duvidou em tal capacidade da irmã. É uma forma de agir louca, mas sadia para quem busca um jeito rápido de amenizar a dor da perda.

         Já era mais de dez da noite e Alicia voltou ao seu apartamento. Novamente sozinha. Não seria por muito tempo, já que a irmã está vindo para passar alguns dias com ela. Mas segundos de solidão são portas para pensamentos tristes e pessimistas. E agora, para quem dizer “eu te amo”? O que pode ocupar este buraco em sua alma? O seu cachorro não sabe latir um, talvez, bizarro “eu amo você”. Quem não quer alguém para dizer a você um “eu te amo” e poder responder “eu também”? Esse vazio ficou gritando silêncios absurdos no ouvido da moça. Ela teve vontade de chorar, mas ficou apenas um nó no peito. Pior do que perder uma pessoa é não ter, com isso, seu porto seguro. O amor é a ilusão necessária para se buscar a felicidade.

         As fotos sorridentes só retratam o que não voltará. E o tempo é algo bizarro. Às vezes um instante é longo como a eternidade e outras vezes, corre e mal podemos ver seus pés.

         O telefone toca. Ninguém diz nada. É mudo. Só o coração acelerado é percebido. O mesmo ninguém desliga. Alicia respira forte. Seu pensamento se divide e subdivide em milhares de pensamentos simultâneos. Um prevalece em segundo em segundo: Vanessa. O que esta menina quer de verdade? Insegurança, medo não são nobres sentimentos, ainda quando estes estão atrelados ao amor. O amor tem que ser sem medo para ser livre.

         Agora é a campainha que chama. Al com uma mochila nas costas e uma bolsa na mão. Um olhar que se perpetua diante a porta.

         As moças se abraçam, como se fizesse muito tempo que não se viam. Um abraço afetuoso, fraternal, amoroso, caloroso. Tantos adjetivos que talvez não possam descrever as lágrimas que escorrem pelo o rosto das duas. Após anos, as duas irmãs vão conviver em um mesmo espaço. Brigas, sorrisos, pessoas, tudo se passou na cabeça daquelas duas.

- Irmã. Bom saber que eu terei você aqui.

- Você sempre será minha irmãzinha e eu sempre vou lhe proteger.

- Eu amo você.

- Também, mas vamos com cuidado com esses sentimentos. Somos duas mulheres lindas, gostosas, cheirosas… vai que a gente dormindo se pega?

- Você é tudo que eu preciso. Só você para me fazer sorrir.

- Relaxa, irmã. Em breve a dor da perda passa. Sei que nós seres humanos não sabemos entender a perda. Fim de relacionamento parece como se alguém estivesse morrido, mas somos lindas… logo estaremos nos agarrando com outras.

- Você principalmente. Já pegou a minha vizinha.

- Pois é, mal chego para morar aqui e já estou famosa.

- Um monte de gente vai querer ficar no elevador com você.

- Vou adorar esse tempo que estarei com você, maninha.

- Mas e aí. Conte-me sobre a mulherada. A Vanessa, a cantora.

- Não quero falar sobre isso não. A Vanessa é louca. Termina comigo e fica me ligando.

- E a cantora?

- A Catherine?

- Ela mesma. Eu senti certa química entre vocês.

- Nada. Ela é só uma amiga.

- Amiga? Aquela não me parece do tipo que têm amigas. No máximo “amiguinhas intimas”

- Que isso, Al.

- Irmã, eu conheço mulher safada de longe. Pelo o cheiro.

- E se for? Comigo não rola.

- Vamos ver.

- Você não acredita, não é?

- Eu só acredito em meus instintos e eles me dizem que você ainda vai cair do cavalo com essa de que não rola.

- Tudo bem, talvez role. Ela é muito bonita e tal… mas eu ainda sou apaixonada.

- Eu também ainda estou apaixonada, mas isso não é motivo para ficar chupando dedo. Tristeza não é motivo para solidão.

- Cada pessoa lida como pode com seus sentimentos.

- Ainda bem que eu choro no corpo de outra.

- Eu não sei se consigo ser como você.

- É que você é um doce, Lili. Aprenda que ninguém é realmente bonzinho. Se você viver em um mundo de fadas, você acaba sofrendo. Nada é perfeito, nada é bom. Temos que ter um pouco de maldade também, se não se acaba em lágrimas. Aprende isso, coisa linda da Al.

- Não sei. Cada um é de uma forma e eu acho isso bom. Não precisamos ser ruins porque são ruins conosco.

- Talvez. Mas eu ainda gosto de uma vingança doce do que viver no gelo de minhas lágrimas.

- Sabe… talvez você esteja certa. Mas vamos ver… sabe, ela é realmente linda, mas acho que a Vanessa ainda quer algo comigo.

- Vanessa é uma indecisa.

- E quem não é confuso?

- Eu. Eu sei o que quero e quando quero. E você também é assim.

- Eu acho que não. Sou tão confusa.

- Se você não fosse decidida você estaria mais confusa sobre a Vanessa e o fato de estar “pintando” outra garota na sua.

- É…

- Fique tranqüila, maninha. Vai dar tudo certo conosco. Somos lindas… isso é o que é importante.

- Só você para me colocar para cima.

- Eu coloco onde você quiser, Lili.

- Olha… você é minha irmã.

- É uma pena… é uma pena.


***
Bruna


Lígia: - Eu não acredito no que vejo.

         Bruna diz que ligará para Bárbara no dia seguinte e elas se despedem. Lígia tem os olhos vermelhos das lágrimas de raiva, que encharcam a sua face. Acabara de enxergar uma realidade, que não queria acreditar. Não podia ser verdade aquilo que seus olhos mostravam como a pura verdade. Sentiu como se estivesse sendo furtada de sua alegria. Lígia quer Bruna. Bruna quer ser feliz.

         A estudante de administração entra no prédio com um sorriso aliviado. Ela conseguiria beijar outra que não era Cássia. Chamou o elevador, cumprimentou o porteiro, que lhe sorriu alegre. Sentia-se leve. Agora ela sabe que é capaz de esquecer aquele amor, que durara anos. Amor adolescente. Ela se sentiu mais mulher, decidida, desejada, inteligente e feliz. O elevador chega. Ela abre a porta. Uma senhora e seu filho saem de lá e sorri para a moça. Ela entra e antes de apertar o botão que corresponde ao seu andar, uma garota aos prantos abre a porta, que ainda não havia se fechado por completo. Esta garota é Lígia.

- Por quê?

E o silêncio assustado de Bruna reina por poucos segundos.

- Diga. Por quê? Eu vi você com outra.

- Eu que pergunto. Pra que isso? Você está louca?

- Eu te amo. Você ainda não entendeu isso?

- Você era minha amiga, mas me traiu. Você teve coragem de ficar com a garota que eu amo.

- Eu só estava lutando com as armas que eu tinha para poder lhe ter. Eu sempre te amei. Não quero te perder.

- Você é completamente insana, menina. Eu imagino o que você tenha visto, mas aquilo é sem importância e mesmo tivesse você não tem como interferir em nada, Lígia. Você não faz mais parte de minha vida.

- Não fala isso. Eu amo você, porra. O que você quer que eu faça para ter o seu perdão?

- Esse é o meu andar. Deixa-me ir embora. Vai para sua casa e dorme. Tente se acalmar e me dá um tempo. Dia desses, quem sabe a gente conversa.

- Bru…

- Fala…

- Não se esqueça de mim.

A porta do elevador se fecha.

-… nem se eu quisesse… nem se eu quisesse.

         Bruna entra em casa e cumprimenta os pais e o irmão, que quer saber de tudo. Davi sempre foi curioso. A irmã vai ao banheiro lavar as mãos e o caçula a acompanha. Ela o olha e diz que foi tudo ótimo até encontrar com a Lígia no prédio.

- Essa menina é louca.

- Eu sei. Mas, hoje, eu quase acreditei nela. Deu até pena. E se ela me amar de verdade?

- Ela não teria feito o que fez com você. Trair e depois te expor. Essa menina é doente, galinha, safada. Todo mundo sabe da fama dela.

- Ela chorou.

- Não vai cair na dela…

- Não! Mas…

- A Cássia perguntou de você.

- O que ela quis saber?

- Se você estava mais calma. Se havia saído e com quem.

- A fofoqueira da Diana deve ter dito algo para ela. Ela me viu saindo.

- Deve ter sido isso mesmo, pois eu nem havia dito se sim ou não se você tinha saído e ela já perguntou com quem. E do jeito que a Diana é deve ter dito tudo. Altura da menina, a roupa, sapatos. Tudo.

- E eu não duvido. Diana incomoda com isso.

- E você vai continuar a sair com essa menina?

- Eu não sei. Sabe… foi legal ficar com outra menina, conhecer alguém novo, ela é bonita, interessante. Mas ela tem nada a ver comigo.

- Mana, também, não é? Você dificulta demais as coisas. Quer sempre a pessoa certa. Não existe a pessoa certa e sim o que encaixa melhor.

- Não é achar a pessoa certa, mas ter alguém que converse comigo às vezes. Alguém que tenha um conhecimento, que assista jornal, que goste de ler…

- Você não quer uma namorada, quer um clone. E clones podem enjoar. O legal às vezes do relacionamento é aquela briguinha por ter algo diferente, para depois fazer as pazes.

- David, você já namorou para dizer essas coisas?

- Prefiro não abrir a minha vida pessoal nesse instante.

- Eu sou sua irmã.

- Depois a gente fala de mim. Quero saber de você.

- Sabe, eu estava pensando. Às vezes eu acho que devo perdoar, porque dói muito mais não ter elas por perto do que a situação. Sabe, eu as amo de verdade. Mas… ah… irmão… eu não sei. Estou confusa. Tem momentos que eu tenho raiva, outros momentos que eu tenho pena. Mas de verdade eu sei que eu amo.

***
Monise

         Um universo estranho sugava aquela menina. Com seus planetas, meteoros, estrelas e buracos negros. Ela se partia em bilhões e se perdia pelo o espaço. Tudo sem sentido. Perdido. Exausto. Um universo deprimido. Os sentidos eram sem nexo. Estava sozinha em cada parte de seus bilhões. Desfragmentada. Despetalada. Sem rumo. Sem sorriso. Mundos ainda mais distantes a convidava para dançar. Mas a sua resposta era sempre apática. Ela se perdia na imensidão. Esse universo tem o seu nome, seus olhos. O buraco negro parecia querer levá-la de vez. Mas sempre tem um Sol. Às vezes nem é tão amarelo como em desenhos infantis. Parecia esbranquiçado, acinzentado, apagado. Era mais feio que um sol de inverno em uma cidade cinza.

         Uma estrela gigante quis se aproximar e iluminar aqueles planetas gelados. Uma estrela que vinha de outro universo.

         Ela se levanta, liga o computador. É uma espécie de refúgio para os mais solitários. Na internet se encontra com pessoas com diversos problemas com diversos problemas e soluções. Moças alegres, tristes, românticas, carentes, drogadas, ativas, passivas, loucas, inconseqüentes. Também tem aquelas que reúnem todos esses aspectos. Monise usa o apelido de “Menina do dia”. Ela queria ser o dia, uma manhã ensolarada, porém, era sempre noite nublada com chuva fina.

         Ela queria dizer algo para alguém. O que? Quem? Ela queria ler alguma palavra que mudasse tudo aquilo que sente. Parece tudo vazio. As pessoas parecem vazias. Uma “amiga de internet” chorava, pois sua namorada beijou outra em sua frente. Por quê? As pessoas às vezes podem ter atitudes cruéis sem motivo algum. O desejo virou desculpa para todas as atitudes que violam os sentimentos. Há os que querem ambos. E outras não enxergam sentido na paixão. Sentir algo de bom por alguém parece ser tão complicado, que muitos e muitas decidem fugir dos olhos úmidos, frio na barriga e uma imensa vontade de gritar sorrindo sobre o seu amor. Monise quer sentir, mas o medo a domina, que a congela, esfria, endurece. A menina do outro lado do computador diz a Monise para ela nunca passar pelo o que está passando. Ter cuidado com as pessoas, pois às vezes os gestos mais delicados são os mais cruéis. Um beijo saiu pior que uma bala no coração. Monise lhe diz:

- Talvez, o melhor é não sentir.

A “Menina do dia”, que ama a escuridão, começa a ouvir canções que parecem quebrar ainda mais sua alma de cristal. E fica imaginando em sua mente torturada os motivos que podem levar os seres humanos serem tão cruéis principalmente, com os mais inocentes, aqueles mais alegres e amorosos. Ela até lembra-se de algumas noticias de jornais, de quando morre alguma pessoa, algum jovem, aparece a família, amigos, amigas, namorado, namorada, padre, pastor, o raio que seja, mas sempre aparece alguém para dizer o quão bom era aquele ser humano que foi embora sem poder dar um misero tchau. A pior despedida é aquela que não existe. A pessoa se vai e você não pode dar um abraço, chorar em seus braços e dizer para um dia voltar. Você pode até querer dizer isso a um morto, mas não tem o mesmo gosto, pois não há o calor dos dois lados dos corpos, nem lágrimas daquele que foi.

         A morte dói. A crueldade dói ainda mais. A falta de amor é o que parece está transformando o planeta em destruição. Só existe uma coisa boa no pesadelo real. É que você percebe quem são as melhores pessoas quando tudo parece no escuro e alguém chega para dividir a sua lanterna com você. Quando há fome, e alguém divide o seu pouco para matar a sua fome. Quando existe dor, dividir o ombro e a mão. É onde existem muitas trevas, que se pode dar valor e entender a luz, mesmo que seja de uma simples vela.

         O que ela lera na internet tocou o coração marcado por feridas, ainda mais intensa, de Monise. Ela, justo ela que parece perdida, desencontrada, tenta buscar explicações das dores do mundo. Muita gente se diz sofrer por amor. Mas de verdade parece que sofrem por desamor. A falta de amor alheio. E se realmente a pessoa ama com o sentido literal da palavra, ela não vai sofrer, pois não vai deixar de amor. O problema do mundo é confundir paixão com amor.

         Ela continua na internet buscando drogas alternativas para aquele fim de dia. E percebe em várias conversas como o ser humano pode ser fútil, cruel… Ela tenta se alegrar e encontra a cada segundo de sua vida um motivo ainda maior para deixar de acreditar no ser humano. Deixar de querer tentar mais uma vez viver nesse mundo. Mas a morte talvez não seja a melhor busca. Tentar melhorar o mundo? Só se todos morressem e nascessem com outra mentalidade, em outro planeta, com outra consciência. O coração, um músculo que apenas bombeia sangue, acaba por ser o nome símbolo de tudo. Quando amamos falamos que demos nosso coração. Quando nos desiludimos o pobre coração está quebrado. Congelamos o coração. Destruímos o coração. Vendemos o coração. Trocamos o coração por outros órgãos (o fígado, por exemplo). Mas na verdade o coração fica ao lado esquerdo do peito em todos esses insanos momentos batendo, levando o sangue para todos os demais órgãos. A culpa de amar não é do coração é do cérebro. Mas imagina alguém falando que deu seu cérebro para alguém? Pobre coração.

         Após pensar sobre o coração, Monise dá uma risadinha. Ela chegou a falar isso em um chat que ela tem no seu computador. Uma forma de conversar com várias pessoas ao mesmo tempo. Lá ela lê de tudo, vê de tudo e acredita em praticamente em nada. “É engraçado como as pessoas gostam de criar mascaras quando estão na internet. Duvido que as pessoas sejam o que fingem ser”, Pensa a “Menina do dia”.

         A noite vem ficando mais escura e fria dentro daquele quarto. O sono parece estar distante. O mundo parece distante. É como se ela estivesse em uma ilha deserta. Longe suficiente de tudo, até da vida, a sua própria.


Menina do dia diz:

         Se eu for dormir, não vou conseguir. Meus olhos se fecham, mas é como estivesse sempre vendo a luz do dia, queimando meus olhos, por isso Menina do dia. Pois toda hora parece uma manhã que corrói meu olhar solitário.

sábado, 20 de novembro de 2010

11º capítulo – pare com esse lema que ‘o mundo é injusto’. Somos parte disso.

Alicia

Os dois dormem enquanto a TV fala. Mas o som daquela “máquina de ilusões” apenas colabora com o sono. Como os ninassem. Os dois beberam além do costume. Alicia ingeriu bem menos álcool que o amigo já acostumado, porém, até ele adormecera. Ainda há pizza. O filme está no fim e o sono pesado. Alicia nunca fizera nada parecido em sua vida. Nunca bebera “tanto”, nem dormira com um homem no sofá de sua casa.

A campainha toca.

Alicia, ainda desorientada pelo sono e efeito etílico, levanta e vai atender a porta. Vê que é a sua irmã. “Al aqui?”. Ela atende.

- Irmã? O que você faz aqui a esta hora da noite?

- Ainda são seis da noite. Deixa-me entrar para a gente conversar…

- Você está chorando? Ou chorou?

- Você está bêbada!?! Que cheiro de cerveja é esse? Tem mais?

- Acho que deve ter alguma coisa ainda na geladeira.

- Vou pegar uma e te contar o que houve. Preciso de você, Lili.

- Sim… sim…

Al pega a cerveja e volta dizendo.

- Eu e a Veronika terminamos.

Alicia se assusta com a notícia. Não esperava isso. Seis anos de namoro e agora o fim?

- Por quê? Como assim? Eu estava lá ontem e estava tudo bem.

- Mas não estava. Ela me traiu.

- O quê? Estou ouvindo bem? A Vero te traiu? Ah não! O mundo está acabando. É o apocalipse. Bem que a nossa avozinha falou. Ou é o efeito do álcool. Estou bêbada demais e estou ouvindo coisas.

- Mas é verdade. Tanto que você está bêbada demais, tanto que ela me traiu.

- Explica isso melhor.

- Pior, cara – uma lágrima rola pelo rosto de Al – fui traída por uma farsa, uma máquina. Alguém de mentira.

- Como assim? Uma máquina?

- Uma garota de internet. A Vero está tendo um namoro virtual. E o pior, eu li as conversas. Sabe, dá para notar que a garota está mentindo. Ela se contradiz direto. Eu mostrei para a Vero, mas ela prefere ficar com alguém que nunca tocou, sentiu, beijou do que comigo. Justo eu que sempre lhe fui leal.

- Você já traiu a Veronika que eu sei.

- Eu falei de lealdade e não de fidelidade.

- Mas, desculpa, mas a Veronika é burra de largar você por uma qualquer. Mesmo que fosse uma mulher de verdade e não de computador. Ela é estúpida.

- Se fosse uma de verdade, ainda ia, mas a menina mente na cara de pau. Você lendo a conversa dá para notar. Eu não entendo. O que eu fiz de errado, maninha?

- Eu não sei. O que aconteceu com a Veronika? Ficou louca?

- Ficou. Só pode. Ou eu que não soube amá-la. Isso parece coisa de quem está vazia por dentro. Já não tem mais amor.

- Mas você sempre foi carinhosa com ela…

- É… fui… talvez quem dê muito amor, no fundo não mereça ser amado. Eu não sei o que faço. Sei anos…

- E o que vocês vão fazer com o apartamento?

- Ainda estamos decidindo.

- Se quiser dormir aqui uns dias…

- Vou te atrapalhar?

- Não, amor. Pega suas coisas e fique aqui uns dias.
- Tá. Obrigada. Você sabe que eu posso ter todas as mulheres do mundo, mas você será sempre a que eu mais amo.

- Eu também te amo.

Elas se abraçam e Al vê Marcos no sofá.

- Quem é este homem no seu sofá? De onde ele apareceu?

- Um amigo. Vizinho. Chama-se Marcos. Ele está me dando um apoio.

- Ah! Ta… Vou lá buscar minhas coisas.

- Vai lá. Eu vou acordar ele.

- Se for por mim, pode o deixar dormir.

- Mas é bom acordá-lo.

- Está bem. Deixa-me ir pegar minhas coisas.

- Tudo bem Al.

Al sai da casa de Alicia e entra no elevador panorâmico (aquele que é de vidro e todos vêem o que acontece lá). Dentro do elevador apenas Al e uma outra pessoa. A vizinha do décimo andar. Uma loira linda, com lábios grossos, coxas torneadas, bundinha empinadinha. Linda com uma voz rouca. A mulher chama a atenção de Al, que não tira os olhos do decote da vizinha da irmã. Todos os homens e algumas mulheres desejam aquela mulher. Olhar de safada. Vestido curto. Devote espetacular. Mulher espetacular. Um jeito sexy de falar, andar e agir.

A atenção de Al era tamanha no corpo da loira, que nem nota quando o elevador pára.

- O elevador parou! – fala assustada (ou fingido de) a loira.

- Ahm… Parou o quê? Ah… o elevador… Deve ter parado em alguma andar. Alguém o chamou…

- Parou, mas não foi em nenhuma andar.

- Caramba… e agora? - falou em tom de cinismo - Só nós duas aqui, trancadas em um elevador sem nada para fazer - o cinismo em seu tom de voz continuou -

- Acho que estou passando mal – fala a loira com ar de atriz de quinta categoria – Coloca a mão no meu coração e sinta como está disparado.

A loira coloca a mão de Al em seu seio esquerdo. Al fica excitada com aquela atitude inesperada da loira e diz:

- Se quiser eu posso te deixar calma e relaxada – o ar mistura o cinismo e um olhar levemente safado/cafajeste.

- Como, linda? – pergunta com um ar falsamente ingênuo.

- Fazendo você gozar.

As duas começam a se beijar e esfregar. Al tira o vestido que a loira está vestida. Segura em suas nádegas e morde lentamente o pescoço, como um vampiro em busca do sangue de sua presa. Mas a ultima coisa que ela quer é sangue e sim os gemidos de prazer dela mesma e da loira. As roupas de Al vão sendo retiradas pela a loira. Na rua algumas pessoas notam o caso do elevador e ficam olhando admirados. Sexo entre duas mulheres.

Enquanto isso Marcos é acordado pela a Alicia. O rapaz lembra que tem que levar o seu cão para passear.

A loira abaixa e começa a fazer sexo oral em Al, que geme. A loira parece faminta. Tem uma língua forte e lábios que chupa a jovem no elevador.

Marcos chega à rua com o seu cão e nota que muitos curiosos olham para o prédio onde mora e ele, na curiosidade, resolve procurar o foco de tanta atenção. Não acredita e liga para Alicia vir ver esta cena.

As duas sentam no elevador. O desejo é incontrolável, insaciável. Al abraça a loira por trás e beija sua nuca e esfrega seu sexo nas nádegas daquela tentação em forma de mulher. Com uma das mãos ela acariciava um dos seios da moça e a outra vem subindo pela coxa até chegar ao ponto desejado e esperado pelas as duas.

Alicia não entende o pedido do amigo, mas vai até a rua e ele mostra o que ele enxerga como “a cena mais excitante de sua vida”. Alicia olha… olha… e seu rosto de espanto vai tomando forma.

- Al!?!

- O que é Al? – pergunta o excitado Marcos.

- É a minha irmã.

- A sua irmã é uma das duas que está no elevador?

- A de cabelos castanhos.

- Caraça… Alicia, sou fã de sua irmã. Eu sou louco para comer aquela loira.

- Ela é a cara da Luana Piovani.

- É mesmo… muito gostosa… gostosa com eco.

- É – fala ainda espantada – também queria comê-la.

Al, com seus dedos compridos, penetra na loira, que geme cada vez em um tom acima. O que deixa Al ainda mais estimulada sexualmente. Os corpos não param um segundo em buscar mais prazer. Os dedos de Al não param de penetrar na vizinha do décimo andar em um movimento frenético. Os gemidos e sussurros vão tomando proporções cada vez maiores.

- Marcos, eu não acredito. Ela terminou hoje um relacionamento de seis anos e estava sofrendo. Eu a vi chorar.

- Isso que eu chamo de curar a dor de cotovelo. Aí Alicia, se espelha na sua irmã. Só um bom sexo para curar a dor do amor.

- Você é safado.

- Eu!?! E a sua irmã é o que!?! A rua parou para vê-la com a loira. Qual é o nome dela mesmo?

- Renata. Do décimo andar. A vizinha mais gostosa.

- Junto com você, são as mais gatas do condomínio inteiro.

O elevador volta a funcionar. As duas reparam na loucura que cometeram e se vestem rapidamente e na rua um coro anuncia o desejo daqueles transeuntes.

- Ahhh…

Gritos de:

- PAREM O ELEVADOR DE NOVO!!!

- EU QUERO ESSAS GOSTOSAS LÁ EM CASA!!!

- LÁ EM CASA VOCÊS PODEM TERMINAR!!!

- GOSTOSAS!!! TESUDAS!!!

- EU QUERO COMER VOCÊS DUAS JUNTAS.

Pessoas em seus carros buzinavam. Quando o elevador chegou ao térreo todos as queriam. As desejavam. Alicia leva a irmã de volta para o condomínio e faz cara de quem não está entendo nada. Sua irmã, suada e cansada, sorri e tenta fazer Lili entender.

Lealdade: sempre; Fidelidade: às vezes; Vagabunda: eternamente.

Alicia acompanha a irmã até seu carro. Marcos se aproxima e exclama:

- Irmã de Alicia, você é demais.

- Obrigada.

Ela arranca e vai para a casa dela em Botafogo. Ainda tinha que voltar ali para aquele prédio da irmã.

***
Bruna

Como uma menina de família que perde a virgindade, diante timidez e falta de uma lógica maturidade sexual, Bruna se sente descabaçada com aqueles beijos de Bárbara no “escurinho do cinema”. Este próprio que geração atrás de geração foi testemunha de tantos amantes envergonhados pela luz do mundo, e que buscam na penumbra a fórmula inesquecível para o primeiro toque dos lábios. Apesar de ser uma moça dos anos 2000, Bruna se enxergou em instante como donzela da década de 1950. E será pecado beijar outra dentro daquela escuridão? Mas é a primeira vez após a primeira vez. Outra mulher soava desafinadamente em seus sonhos de menina que cresceu sem notar.

Os beijos cessam com o olhar assustado de Bruna. “E agora?”, ela pensava. Ela não queria demonstrar o estranhamento que aquela situação lhe passava. Não era moça virgem de décadas anteriores e sim uma mulher da atualidade. Não deve ter essas ‘frescuras’ de menina pura. Pois, hoje em dia quem é realmente puro? Nem quando teve a sua primeira vez com Cássia ficara tão envergonhada. Era um sem querer premeditado de ambas. Bárbara desejou Bruna desde o primeiro ar respirado juntas. Bruna sabia em seu intimo o que aquele telefonema daquela outra moça significava. E agora os beijos misturavam dentro de seu eu a timidez e o desejo.

Bárbara nota, por ainda segurar a mão da outra, o nervosismo se definiria claro com a suadeira, mesmo no ar condicionado gelado. Babi é mais nova um ano que a menina de mãos molhadas e frias, porém, era já uma mulher feita. Aparenta já os vinte e poucos anos. Sempre atraiu olhares dos mais atentados homens, e mulheres. Por saber atrair todo tipo de sexo, aprendera a ser mulher, quando ainda deixava as bonecas. Suas primeiras experiências sexuais foram com os primos mais velhos. Na ocasião, os dois irmãos que revezavam o corpo da jovem parente, tinham dezessete anos e o outro com quinze. Ela começava a entrar na puberdade com a menstruação, pêlos, seios, bunda… ela havia completado onze anos quando o mais velho a encurralou nas escadas de seu prédio e lhe deu um beijo. No mesmo dia, ainda naqueles degraus poucos utilizados, o rapaz a mostrou o que era um homem. A menina passara as férias com os primos. Todos os dias daquele verão quente um dos dois a penetrava. O mais velho era mais bruto e viril, o caçula também a queria, só com o seu desejo adolescente, porém, era mais delicado. Enquanto um se preocupava apenas com o seu próprio prazer, o outro prestava atenção se a prima estava ou não gostando. Aumentava e diminuía a velocidade de acordo com os gemidos e a cara que ela fazia. Ele ainda era carinhoso. Foi com os dois que ela aprendeu a ser mulher, se sentir desejada e como tratar as mulheres.

A primeira vez com uma mulher de Bárbara foi para se insinuar para quatro rapazes com mais de vinte anos. Ela e uma amiga se beijaram, porque eles assim quiseram. As duas transaram na frente deles na república de estudantes, que era o domicilio dos rapazes. E depois com os quatro. Babi tinha catorze anos.

Hoje ela entende muito dos homens e ainda mais das mulheres. Nem beija mais rapazes, só as moças. Ela acredita que ficar com homem algo muito simples. “Eles são muito básicos, não tem tanta emoção de como é com elas”, já disse confessando suas idéias para a amiga Luciana e outras meninas ‘do babado’, certa vez. Bárbara é do tipo que muitos poderiam dizer que ‘nasceu para o sexo’. Não importa qual e sim sentir um corpo junto ao dela.

Agora, a experiente Bárbara sente o nervosismo de Bruna, o que a dá mais desejo. “É como deixar menos uma virgem no mundo”, pensa a jovem com um olhar dos mais ardilosos. Deixou a menina engolir o suco e beijou o pescoço e, das mãos foi à coxa. Aproveita que a ‘vitima’ está de saia e lentamente vai encaminhando a sua mão até o sexo de Bruna. Não pretende penetrar na menina, apenas brincar de enlouquecer com toques, ou melhor, uma leve massagem na área sexual. Bruna foca os olhos da tela grande do cinema tentando não prestar atenção naquele ato. Bárbara com ar sagaz e resolve fazer uma pergunta:

- Você é virgem?

A resposta foi gaguejada:

- Eu só fiz amor com a Cássia.

- Você tinha quantos anos quando começou a namorar essa menina?

- Catorze. Foram cinco anos de namoro.

- Você já transou com um homem?

- Nunca.

- Percebi.

Para Bárbara, até mesmo para uma lésbica, o sexo com o sexo oposto é necessário. A mulher é muito delicada. Ao transar apenas com mulheres o fator sexo fica muita ‘meiga’ como ela acredita e diz. Ao transar com um homem, pelo menos uma vez, de preferência um mais viril, o lado mais sexy e erótico aparece. Bárbara quer ter Bruna, mas pensou em algo que não faz há muito tempo, ter um homem na cama junto com outra mulher. Quer transformar aquela flor delicada em outra pessoa. Em uma mulher com M maiúsculo. Decidi ficar só segurando a mão da moça. Uns beijos aconteciam, ainda assustados. Quando acaba o filme termina ela resolve andar no shopping com a menina.

“Só o sexo puro, simples e selvagem, a sexualidade mais pornográfica do que erótica é capaz de curar a dor de amor, que nos leva a ingenuidade, para curar esta moça”, assim os pensamentos de Bárbara lhe dizia. Saindo do shopping a moça decide levar a ‘menina pura’ a um lugar que nunca fora, um sexo shop. Bárbara teve uma idéia. Talvez não fosse necessário ter um homem, mas ela em seu jeito ‘exploradora assídua de corpos femininos’.

Mostrou tudo a Bruna, que estava admirada com tudo aquilo. Depois saíram sem nada comprar. Nos planos de ter Bruna, Bárbara teria que ir com calma neste momento exato. A menina poderia se assustar.

Resolveram voltar ao bairro onde residem. Bruna olha, como sempre, admirada as ruas, as praias, pessoas alegres e ‘conversadeiras’ e em seu contentamento faz o seu brado:

- Moramos em um dos lugares mais belos, com as pessoas mais belas do mundo. É um privilegio de poucos viverem em um dos cartões postais do mundo!

Bárbara achou engraçado e bonito o que a menina disse ‘do nada’. E resolve colocar em cheque um triste e fadado contraponto as palavras da outra.

- Pois é… Um dos cartões postais mais lindos e violentos do mundo. Daqui a pouco até o Cristo terá que usar colete a prova de balas.

- A violência é causada pela a hipocrisia de governantes e pessoas da sociedade e falta de bom senso de ‘filhinhos e filhinhas de papai’.

- Como assim? O que você quer dizer com isso!?!

- O obvio que ninguém quer enxergar. Não há como dizer puramente para alguém parar de usar drogas. Na hora da curtição a base da maconha e cocaína ninguém quer lembrar que o uso de drogas financia o tráfico. Mas a guerra não é só culpa dos traficantes de drogas e armas, mas por causa da polícia mal trinada, os governantes e ‘pessoas’ da sociedade…

- Hum…

- Os governantes e a sociedade têm que abrirem os olhos e liberarem as drogas, pois, assim o traficante vai ser um cara ‘legal’ e pagará os impostos para ter qualquer empresa no Brasil. Não precisará pegar ‘qualquer um’ na rua e o pôr farda e arma em mãos. Essa guerra de traficante versus policiais só traz o medo, a violência e o sangue para manchete de jornais. Assim não dá para acreditar naquela tola e utópica felicidade, que todos falam. E para piorar ainda essa porra de milícia para aumentar o número de ‘vilões da sociedade’. Mas os homens das leis, os juízes, prefeitos, governadores e presidente estão de braços cruzados para os males do povo. E ainda tem as ‘pessoas’ da sociedade. Religiosos, empresários corruptos, conservadores de todos os tipos, que não querem o fim desta guerra. É claro… é obvio… só a liberação das drogas para menos balas perdidas e achadas em peitos alheios serem notícias.

- E o que se faz com o aumento de viciados que vão morrer?

- Só com educação nas escolas e nos lares para que eles não caem nas drogas. Mas não podemos deixar que m inocente morra de bala, porque o cara lá em seu ap de luxo quer cheirar.

As duas chegam onde decidem parar. Sentam em um quiosque e a conversa continua.

- Para você é fácil falar isso. Tem seus pais com você, aposto que estuda em colégio particular. Sou como você, não vou dar uma de coitadinha, tenho uma família estruturada e dinheiro, mas há tantos que não tem ou teve a chance que temos.

- É culpa da falta de vergonha na cara dos políticos eleitos com os nossos votos, tão preciosos, que as pessoas vivem em situação educacional abaixo de nós. A educação, afirmo novamente, não só na escola, mas também nos lares, é a forma única e absoluta de melhorar nosso país. A ignorância é o combustível da fome e violência. Tem que ter boas escolas, ótimos professores, estes bem remunerados e com oportunidades de reciclagem e estudo. Tem que ter dialogo entre pais e filhos. E outra coisa que tem que haver, que todos esqueceram, é o amor.

- O que o amor tem a ver com isso tudo? – já diz Bárbara que ensaia um debochado sorriso.

- O amor plural. Amor nas famílias, pelo próximo, amor pelo mundo.

- Eu amo as próximas… todas – se diverte a Babi.

- Amor pelo Rio de Janeiro. E não só a gente aqui, mas um amor pelo Brasil e cada um amando a sua cidade e estado. Amor incondicional e não este amor que andam cantando. Este amor que virou objeto comercial. O sexo não é a solução. O corpo não é o mais importante e sim um instrumento para levar nossas idéias e ideais. Os sentimentos reais e puros. Se houvesse, por exemplo, amor de todos pelo o país, fariam de um tudo para ser o melhor. Sem fome, analfabetismo, alfabetização funcional, miséria, violência, medo, preconceitos.

- O que o sexo tem a ver com isso?

- o sexo pelo puro sexo é a busca do prazer, ou seja, individualismo, que é o mais próximo do egoísmo, este que é o maior dos opositores do amor.

- Você é utópica. Acredita que este amor é capaz de salvar o mundo.

- Eu acredito sim.

- O seu amor não lhe salvou do sofrimento.

- realmente não me salvou e por amar tanto Lia e Cássia, eu sofra mais.

- Porque o amor é egoísta. Como você pode pregar o sentimento mais egoísta para o fim de todos os males. Acredito na educação, mas o amor é a instituição mais falida de todas. Vamos mudar de assunto, pois as revoluções estão fora de moda.

- Tudo bem, se é isso que você acredita.

- Gostei de te conhecer e ficar com você.

- Eu acho que eu preciso ir embora.

- Posso te levar?

- Pode.

Elas foram após pagar o que consumiram. Bárbara puxara assuntos amenos para não ouvir outros discursos. No dia seguinte as aulas voltariam. Antes passaram duas semanas de férias. Bruna, universitária, ainda teria uma semana a mais de descanso. Elas chegam ao prédio onde reside a estudante de adminitração. Na despedida, um atrevido selinho foi dado por Babi, o que faz a outra ficar ruborizada. Bruna entra e Bárbara se vai, mas alguém vê, por acaso, toda a cena sem ser percebida. Lígia.



***
Catherine e Luciana

- Sabe…

- Sei?

- Não, você não sabe, vai saber quando eu disser.

- O que?

- Eu não sei se devemos.

- Por quê?

- Acho que estou um pouco bêbada… ou apenas…

- Sem vontade de transar…

- Não é bem isso… vontade eu sempre tenho…

- É comigo?

- Não. Nunca. Você é linda, perfeita, gostosíssima.

- O que é?

- Acho que eu preciso de um baseado…

- Pra transar?

- Viajar…

- Por que da viagem?

- Preciso desconectar do mundo. Achar meu eixo. Meu eu…

- Pra quê? Sexo é físico e não filosoficamente viajante.

- Ah… cara… sei lá…

- Você é estranha…

- Por que você acha isso?

- Eu não acho, tenho certeza.

- Por quê?

- Por que eu tenho certeza?

- Por que você disse que sou estranha?

- Porque há pouco você queria e agora não quer.

- Sou bipolar… - diz e sorri Cat.

- Bem… eu não quero porque…

- Você também mudou de idéia?

- Sim… é que…

- O que?

- Iguais, não somos?

- Digo que parecidas em alguns aspectos ideológicos.

- Pois é.

-Somos melhores como companheiras de causa.

- Sim, sim.

- E aí, companheira – abre um sorriso – vamos ligar para alguém?

- Liga você para a Monise e vê como ela está.

- Ok… ok…

- Você me ajuda a dizer algo que dê sentido a essa ligação, no mínimo desconexa com o momento da menina.

- É mesmo. Por que você, uma garota dez anos mais…

- Se me chamar de velha eu te jogo pela janela.

- Dez anos mais madura que ela iria ligar no domingo a essa hora?

- Dizer que ela é gata.

- Boa… será que funciona?

- Sei lá, mas vou dizer isso.

- Meio sem propósito. Imagina a cena. Você liga e diz oi. Ela pergunta quem é e você se identifica. Ela depois de um minuto recorda e pergunta o que você quer e você fala simplesmente, diretamente e unicamente que ela é gata.

- Estranho.

- Muito.

- Já sei. Olha a viagem. Direi a ela que tive um sonho que eu tinha que reunir as cinco do bar da praça.


Luciana começa a gargalhar.

- Imagina se você tivesse fumado um baseado? Você está viajante já desse jeito.

Catherine ascende um cigarro e dá uma tragada e fecha os olhos ao soltar a fumaça e diz que quer parar com aquele vicio maldito, mas não consegue se imaginar sem seus vícios internos e externos. Liga o som, quer ouvir Chico Buarque e toma um cálice de vinho, mas sem o sangue da canção. Ofereceu a amiga que resolveu aceitar só um pouco. Não bebe, pois é atleta, mas um pouquinho não faria mal. É só para experimentar.

- O problema é que tudo que nós queremos é utópico. E foda, mas como todo jovem brasileiro na época da ditadura, utópico. Hoje queremos amar e ser felizes. Quer maior utopia que isso? Ou se ama ou ser é feliz.

- Não concordo. Eu sou feliz e amo o Gustavo.

- Você não o ama. A coisa é que você precisa dele, pois é a razão, enquanto você é a emoção.

- E você é feliz?

- Não.

- Você não acha que um leva ao outro?

- Meu caso é diferente. Minha fuga do amor é por saber do caos que esta porra traz à vida de um sujeito.

- Você já amou?

- Qual é a diferença se a resposta for sim ou não?

- Sim me dará a idéia que você é covarde com causa. Você um dia amou, sofreu muito e foge disso para não sentir a dor que já sentiu antes. Se for não será uma medrosa sem motivos. Alguém que olha em volta e ver um pouco de tristeza por causa de paixão e usa isso de desculpa.

- Amor é utópico e ponto final.

- Não é. Eu amo e sou feliz.

- Por que você trai o seu namorado, então?

- Uma coisa não tem nada a ver com a outra.

- Calma aí. Vou aumentar o volume. Escute Bárbara.

- Nome de minha amiga.

- É uma canção que você pode interpretá-la de três formas, depende de suas ideologias e vivencias. Você pode achar que a tal Bárbara é a liberdade, a democracia em época que vivíamos em uma ditadura. O desejo de ser livre. Você pode enxergar como uma canção lésbica, uma mulher que fala para a outra e por último é cocaína. A busca por tal. O desejo pela droga, para alimentar o vicio. Note a letra. É demais.

- Sabe, você tem que se apaixonar. Tente amar Alicia ou outra, mas tente.

- E acabar com o meu coração?

- Ame, amiga. Jogue neste abismo que é o amor.

- Viu? Abismo? E se eu sofrer?

- Você escreva canções tão belas como está que está tocando agora.

- Atrás da porta. Linda mesmo… vou tentar…

- Isso…

- Mas escrever como o Chico é difícil.

- Independente das palavras utilizadas, o importante é sentir.

- E você?

- Eu o que?

- Vai continuar a se enganar e enganar esse garoto?

- Eu não…

- Não adianta dizer que não engana. Pelo menos nunca traí ninguém.

- Mas foi amante. Acertei?

- Pois é, mas a culpa não é minha e nem problema meu.

- Somos duas cafajestes.

- Concordo plenamente.

- E o amor?

- A utopia?

- Digamos: a realidade dura e honesta.

- Sim. Como amar?

- Morrendo…

- Como assim?

- Cada dia é um nascimento e uma morte para quem ama.

- E quem não amar o dia é apenas um dia. Algum corpo diferente, perfume que nunca fora absorvido pelo travesseiro.

- A falta de amor é a mais triste arma da covardia.

- Mas é foda.

- Acredito que se nós cinco amarmos, estaremos nos livrando das dores do mundo.

- Quem sabe?

- Pois é… quem sabe?

- Vamos ligar para a Monise?

- E o que dizer?

- Você se propõe amar parar correr de outros sentimentos?

- E se a causa da dor dela for o amor?

- Daí o amor e a felicidade nasceram para serem distantes.

- Voltamos a utopia.

- Voltamos no ‘não acreditar’.

- Tudo parece chegar à utopia.

- Somos humanas e sonhadoras.

- Somos mulheres. Complicadas e humanamente apaixonadas.

- Complicadas ao cubo.

- Será que é por essa paixão digna do sexo feminino que amamos tantos as mulheres?

- Mulheres são apaixonadas, apaixonantes, misteriosas, pensativas. Pensamos tanto.

- Essa nossa conversa daria um livro.

- Dez mil livros, filmes, novelas, analises psicológicas e filosóficas… tudo para chegar a conclusão que cabeça de mulher é o segredo mais indecifrável do planeta. Planeta este que não existiria sem o feminino.

- Mulher…

- Eu amo…

- Concluo que também.

- Vamos conseguir ajudar as nossas.

- Se conseguirmos nos ajudar.

- Viu o que a gente falou?

- O que?

- Nossas… nossas mulheres…

- Pois é.

As duas começaram a dar risadas do erro da palavra, porém é o que elas já sentem, como se aquelas jovens fossem delas. Amigas, amantes, apaixonada…

***
Monise


Monise se aproxima da janela. Seu pai olha e sente medo e tenta se aproximar aos poucos. Monise quer ser pássaro para poder voar. Quer ser livre da cadeia que ela criara. A liberdade é um bem difícil de conquistar. Ela quer ser imortal… e sente uma leve brisa bater em sua face e a acariciar. Ela quer algo que nem sabe como se chama. Quer gritar e se libertar dos pesadelos constantes, do gosto de amargo que sente na alma. Quer chorar. Quer sorrir.

Ela debruça na janela. Pode até sentir as asas em suas costas. Quer voar para onde a dor é menor. Monise se inclina mais para o nada. Está de olhos fechados. Seu corpo parece que vai deixar de fazer parte deste mundo. Duas mãos a segura e a abraça pedindo, pelo amor de Deus, não os deixe. É seu pai. Monise abre os olhos e enxerga aquele homem de jeito fino e um olhar profundamente triste. Abraça-o.

- Papai, eu nunca o deixarei.

Ele de olhos vermelhos das lágrimas que segura firme.

- Minha filhinha, me conta por que disso tudo. Papai faz de tudo e você fica querendo ir embora do mundo.

- Papai, você é um homem bom, mas o mundo é mau e eu não quero mais este doer em minha alma.

- Moni, me conta que eu vou poder te ajudar a expulsar os fantasmas que lhe atormentam.

- Não… papai, eu amo você e a mamãe, não quero que sofram.

- Mas já sofremos com o seu sofrimento.

- A verdade pura pode ser pior que a mentira fantasiada.

- Explica, querida.

- Quero dormir.

A menina nada come e vai para seu quarto e tenta chorar. Não consegue. Os minutos. Levanta e tenta falar com Fred. O telefone toca, mas ninguém atende. Ela queria entender o motivo que não consegue falar com o amor. Ele está tão longe.

Monise se sente só. Com uma dor só sua sem poder contar para ninguém. Ela não quer que sua dor seja de quem não tem culpa. Ela se sente culpada pelos seus sentimentos.

A mãe da menina vai até o quarto e senta na cama e olha para a filha.

- Eu não consigo falar com o Fred.

- faz tempo que vocês não se falam.

- Eu tento ligar e ele não atende, não me retorna. Eu me sinto triste.

-Vocês brigaram quando ele foi embora.

- Ele brigou comigo.

-Por quê?

- Porque eu não quis falar nada.

- O que você não quis falar?

- Coisa minha.

- Foi por isso que ele foi embora.

- Talvez…

Tente ligar mais vezes.

- Ele não quer me ouvir

- Vocês foram tão amigos.

- Eu ainda o tenho em meu coração.

- Se vocês voltarem a se falar, nas férias, se você quiser e estiver bem pode ir lá.

- Eu queria um abraço dele.

- Serve meu?

- Lógico.

Elas se abraçam.

- Sabe, mamãe, eu conheci uma menina, mas acho que a conheço de outro lugar.

- Da onde?

- Não sei, talvez da praia mesmo, ou… ah… já lembrei…

- Conta para a mamãe.

- Acho que eu a vi no colégio.

- Viu? Que bom. Pode ser uma nova amiga.

- Ela é agitada, atleta, alegre. Tudo de diferente de mim. Tem namorado, amigos e amigas. É popular. Feliz.

- Você também pode ser.

- Feliz?

- Sim, e por que não?

- Eu nunca mais serei feliz.

- Por quê?

- Porque estou presa no mundo mau e triste.

- Como isso aconteceu?

- Eu quero ficar sozinha.

- Quer comer nada?

- Não. Quero chorar, mas não consigo.

- Por que do choro?

- As lágrimas lavam a alma.

- Por que quer lavar a alma?

- Para viver mais alguns dias. Agora quero ficar sozinha. É difícil chorar.

A mãe de Monise sai do quarto e vê o marido na porta chorando e os dois se abraçam naquelas lágrimas silenciosas da perda. Eles sentem que cada dia perdem um pouco a filha e não descobrem os motivos.

domingo, 14 de novembro de 2010

Décimo Capítulo – normalidade ou não… um filme da vida

Catherine

        Ela sai da casa de Alicia, mas mentiu. Cat não dá aulas aos sábados, muito menos na hora do almoço. Ela não saiu por causa da presença física da mãe da menina, mas a estranha presença de Vanessa. Catherine queria que Alicia só para uma noite, mas sentiu algo estranho. Aquela senhora falando da outra moça a incomodou. Um incomodo que nunca sentira. O sentimento que a dominou foi a vontade de brigar com a Vanessa e não a raiva daquela senhora de cabelos pintados de loiro.

        - A Alicia fez uma escultura dessa tal de Vanessa em detalhes? Quer dizer que a conhece bem. Se duvidar nem ex é. As duas devem ter se encontrado ontem e “e feito amor”. Com certeza. Deve ter sido essa Vanessa no telefone ontem. A Alicia deve está querendo me usar. E se elas forem do tipo que tem relacionamento aberto? E a Alicia está cassando uma para trepar com as duas. Bem, se a outra for tão linda e gostosa como a Alicia. Mas, não… não… ela está me enganando. Está mentindo para mim.

        Catherine prestou atenção depois no que havia dito sozinha. Aquelas palavras significavam apenas uma coisa.

        - Ciúmes?!? Eu?!? Ah! Que bobagem. Eu só quero comer a Alicia e tchau. Não tem motivos para ciúmes. Eu mal a conheço. Nem teria como me apaixonar. Pouquíssimo tempo. Dois dias? E nunca rolou nem um beijo. Não sei qual é o gosto dela. O jeito dela na cama, de beijar. Mas é tão linda. E a forma dela de falar… de olhar… sorrir… Mas isso é tesão. Eu quero comer essa garota. Está difícil, mas eu vou conseguir. Quanto mais difícil, mais vontade eu tenho.

        Catherine para por instantes de dialogar com a sua própria pessoa, ascende um cigarro e não consegue pensar aonde deve ir. Vai até primeira lanchonete e come um sanduíche com suco de laranja, mas está complicado para engolir. Termina, paga a conta e ascende outro cigarro. E ela continua a andar. Tanto que chega ao bar da primeira noite que viu Alicia. Está fechado. Só abre depois das dezoito horas. Ela senta em um banco na praça e olha para o vinho. Vai até o boteco ali perto e pede para um rapaz atrás do balcão abrir a garrafa. Volta para o banco e começa a beber.

        Ela ascende mais um cigarro.


***

Alicia

        A mãe de Alicia fica o almoço inteiro falando de Vanessa e criticando o jeito de Catherine. Comparando as duas. Alicia ficou calada. Não queria dizer nada, pois sabia que brigaria com a mãe. Já ao final, sua mãe diz que ela deveria voltar para a Vanessa. A filha levantou com raiva e bateu na mesa.

        - Mãe, presta atenção. A Vanessa terminou comigo. Ela não quer saber de mim. Voltou para o João Pedro. Está transando com ele. Aliás, ela me traiu uma semana inteira com ele. E você diz que eu e ela temos que voltar? Ela não me quer mais. Quer dizer, aquela safada me quer como amante. Veio aqui, me beijou e foi embora. E você quer que voltemos? E você espantou a Catherine daqui. Se ela queria só uma noite comigo, ótimo, pois é isso que eu quero com ela. Sexo. Entendeu? Você atrapalhou a minha futura transa e ainda me magoou falando o tempo inteiro da Vanessa.

        - Desculpa filha. Eu não sabia que era assim.

        - Mas é. E agora, mãe, por favor, eu quero ficar sozinha.

        - Tudo bem. Mas ainda acho que essa tal de Cat não é para você.

        - Eu que sei, mãe. Eu que sei.

        - Tudo bem. Estou indo embora. Mas você precisa de alguém. Sua irmã tem a Verônika há seis anos e você fica sozinha?

        - Acontece, mãe. Acontece. Agora a senhora pode ir embora. Amanhã a gente se fala no trabalho.

        - Tudo bem. Tchau.

        Alicia respira fundo. Ela não sabe o que fazer. Ficou com raiva da mãe. Dona Antônia sempre foi controladora. Queria decidir pelos filhos. Todos saíram cedo de casa para não terem que ouvir que eles deveriam fazer isso ou aquilo em situações pessoais. Alicia ainda trabalha com a mãe, mas viver juntas não tem como mais ser. Dona Antônia, apesar de viver sem os filhos e ser viúva há cinco anos, ela nunca está só. Tem já um namorado há um ano, além de ter amigas que estão sempre fazendo companhia.
       
        Alicia anda de um lado para o outro. Arruma a mesa e a cozinha com o pensamento em Catherine. Queria ligar para ela, mas estava sem graça. Resolve ligar para a irmã e contar o fato, porém, ninguém atende na casa.

        - Deve ter saído com a Vero.

        Precisava conversar com alguém. Marcos? Por que não? Tudo bem que ele é homem, mas o importante é desabafar. Pega o interfone e o chama. Pouco depois estava aquele novo amigo ali, de bermuda e chinelo, na porta do apartamento de Alicia.

        Marcos entra e Alicia pede para ele se sentar no sofá. Ela está muito estressada e ele com seu ar sério, mas com uma sombra de sorriso-moleque. Ela diz que precisa conversar com alguém. Que está confusa, estressada e se sentindo sozinha.

        - Como uma mulher linda como você pode ter tantos problemas e ainda se sentir só?

        - Pois é. Estou me sentindo péssima.

        - Conta tudo que lhe aflige, gata.

        - Minha ex-namorada é louca e eu ainda a amo. Ela termina comigo em um dia e no outro vem querendo ir pra cama comigo. Parece que ela não sabe se quer um homem ou uma mulher. Acho que ela quer ser namorada de um cara e amante de uma garota. Sabe, ontem ela veio aqui e nós nos beijamos e quase fizemos amor, ou sexo, sei lá. Só não fomos até o fim, porque o namoradinho corno dela ligou.

        - Caraca… que garota sem noção. Trocar uma gata como você por um cara. Ela é muito burra.

        - Pois é. Além dela, no dia que terminamos, eu conheci umas meninas em um bar. Legais, simpáticas, bonitas. Mas uma delas, a mais velha, me ligou. O nome dela é Catherine. Cantora. Tem um jeitão sedutor. Um olhar, mãos, boca, voz… Cara, eu estou louca para trepar com ela e parece que ela também quer.

        - Lógico. Ela e toda a torcida do Flamengo.

        - Ontem, antes de eu vir pra casa, eu estava na casa dela e quase rolou um beijo…

        - Vocês ainda não se beijaram?

        - Não… na hora que ia rolar a Vanessa, minha ex, me ligou. Cara… loucura. Daí eu não transei nem com uma nem com a outra.

        - O nível do tesão lá em cima. A sua… ahm… eu não sei se falo xana, vagina, buceta… enfim… isso que você tem no meio das pernas, está até batendo palmas de tanta vontade que você está.

        - Sim… Mas eu tentei de novo. Liguei para a Catherine…

        - A cantora?

        - Isso. Então, hoje de manhã liguei para ela e decidimos de almoçarmos juntas aqui. Seria perfeito. Uma comidinha gostosa, um vinho que ela trouxe, apesar de eu já ter um aqui guardado para essas ocasiões. Daí papo vai, vinho vem e pronto… iria rolar.

        - E não rolou?

        - Minha mãe apareceu e perturbou tanto que ela foi embora.

        - Caraça… que raiva, maluco. Poxa, porque sua mãe fez isso?

        - É cara. Ela é assim mesmo. Ciumenta, controladora e ela adora a Vanessa. Agora eu briguei com a minha mãe, estou sem namorada e sem a noitada de sexo com a Cat.

        - É… Alicia, gatinha… desculpe a franqueza, mas você precisa de sexo.

        - E agora? O que eu faço? Ligo para a Cat?

        - Ela deve estar meio chateada.

        - Pois é…

        - Assim… normalmente diria à você que para sexo eu estou aqui. Mas com você não rola. Viu o problema de você ser lésbica. Se fosse pelo menos bissexual.


        - É…

        - Vamos beber?

        - Eu praticamente não bebo.

        - Assim… mas se o coração está uma bosta, o melhor é beber para afogar as magoas e esquecer da falta de sexo. Eu ligo para um lugar e peço umas cervejas. Só para no livrar do stress. Daí conversamos. Podemos ver televisão. Um filme, sei lá… Topa?

        - Por que não? Eu topo.

        Marcos liga e pede as cervejas e aproveita, liga para uma pizzaria e pede uma de calabresa e outra de frango com catupiry. Ela resolve ver em um dos canais que passam filmes, algum interessante para os dois.

        Filme, cerveja e pizza. Um homem e uma mulher.

        O filme é de suspense. Eles antes do filme falam sobre vários assuntos. Sobre pizza e outras massas, sobre filmes que assistiram… sobre ex-namoradas… sobre mulheres. Ele pega o Bartolomeu e brinca com ele. Faz carinho e fala que ele será sempre o Bart. Que os dois já tem intimidade. Ela sorri para o amigo. O filme começa e eles continuam bebendo, comendo, conversando e rindo. Marcos alegra sua amiga. Ela até esquece do stress.
       
        Cerveja entra e o filme já nem interessa. As pizzas já foram formas de exemplificar tudo. Desde coisas mais sérias como uma visão política e econômica, passando por vidas amorosas até sexual. O que era um problema se tornou em piada na boca de Alicia. Começou a rir de seus problemas. E ela que não está acostumada a beber, acaba por dormir no colo de Marcos, que adormece também. Os dois no sofá em plena tarde de domingo com a TV ligada.

***

Bruna

        Ela se arruma buscando a beleza de dias ímpares. Dia ímpar, dia único. Algo que pudesse chamar atenção e encher os olhos alheios de todo ar lindo que esta moça exala ao andar com um sorriso contente. Bruna não gosta de ficar triste e quando fica, busca atentamente por qualquer centavo de alegria perdida pelos cantos ou esquecida em algum bolso. E foi Bárbara que mostrou aqueles centavos alegres, pois Bruna notou que a Babi notou a beleza dos dias ímpares em mais um dia par. São poucas pessoas que reparam na beleza cotidiana, a beleza feijão com arroz. A maioria insiste em enxergar na beleza cara e rara do caviar.

        Bruna se veste, olha no espelho, troca a blusa, coloca a vermelha, tenta a roxa, desiste da calça e tenta a saia, mas esta é melhor com aquela blusinha branca. Ela se maquia. Uma maquiagem delicada para dias de Sol. Uma leve sombra de maquiagem e junto o batom que parece elevar toda mulher a condição de rainha. Majestosa, atraente e completamente, simplesmente e diretamente linda. Um batom que dá vida aos lábios e o gloss que realça essa vida.

        E o telefone nada de tocar…

        A ansiedade de Bruna não é só de o telefone tocar e sair com a Bárbara. É bem maior. É uma forma de fugir de tudo aquilo que a faz mal.

        - E se a Cássia me vê com a Bárbara? Ou se for a Ligia?

        Sorriu e escutou o som vindo do celular. Bárbara falou que pode ir buscar a menina em seu prédio e de lá elas iriam ao cinema. Está passando um filme ótimo. Bruna topou a idéia. Passou seu endereço para a “amiga - pretendente” e avisou os pais de sua ida ao cinema. Correu ao espelho, conferiu o visual, calçou uma sandália rasteirinha, pegou uma bolsa com identidade, carteira da UNE, dinheiro, batom (é lógico), celular e chiclete. Ela sempre tem chicletes com ela para aliviar a ansiedade.

        Bárbara chega ao prédio da moça e o porteiro interfona ao apartamento de Bruna. Ela corre para atender e avisa que está descendo. No elevador está Diana, amiga de Cássia, Bruna a cumprimenta por educação. A acha fofoqueira. As duas descem na portaria, onde Bruna encontra com Bárbara e sai. Diana vê e interfona de imediato e comunica à amiga.

        Bruna e Bárbara começam a falar da beleza do bairro e da praia. Babi elogia Bruna, que retribui a gentileza. Elas vão até o ponto de ônibus e resolvem ir ao Shopping Rio Sul, em Botafogo. Bruna diz que ama ir nesse shopping. Babi diz que prefere o outro do mesmo bairro, mas o Rio Sul é bonito.

        Elas sobem as escadas rolantes. Chegam ao cinema, escolhem o filme e compram os ingressos. Bárbara compra pipoca e refrigerante e a Bruna opta por pães de queijo e suco. Elas entram. A sessão está para começar. As moças dão risadas com um dos trailers. Babi diz que ama filmes. Adora vir ao cinema e Bruna fala que gosta também. O filme começa. A atenção a princípio parece ser só no filme até que Bárbara segura na mão de Bruna que a olha. Elas se aproximam… aproximam e… um beijo acontece. As duas ficam avermelhadas de vergonha, tom este não reparado no escuro do cinema. Elas estão sentadas no fundo do cinema. Bárbara continua segurando na mão de Bruna. Por cinco anos Bruna beijou apenas Cássia. É a primeira vez que beijava outra boca. Primeira que beijava no cinema. Primeira vez que beijou perto de pessoas estranhas. Primeira vez que se sentia nervosa, ansiosa por um beijo, que não é em Cássia. Aliás, ela foi beijada por Ligia, mas ela considerou apenas os beijos de Cássia e agora o de Bárbara.

        Bruna vira e a beija de novo. Como é bom beijar quem te deseja. Como é bom fazer algo escondido. Como é bom ser desejada.

        Naquele momento o filme e o cinema e as pessoas e tudo, pipoca, refrigerante, pão de queijo, suco, tudo virou mera figuração daqueles beijos. As bocas já não se desgrudam. A vontade é de estar a sós. A sensação é de aquela união solitária. Como mais ninguém estivesse no cinema. A respiração é ofegante e as mãos trêmulas. Os corpos acesos e as línguas não param.


***

Monise

        Enfim, Monise sai do hospital.

        Do branco do quarto ao banco do carro. Os pais conversaram, mas pela janela fechada um filme de cinema mudo vai se revelando para aqueles olhos secos e pesados. É mudo, pois os sons que a vida passa não a interessam. As conversas, canções e risos alheios. E como sorriem. São alegres? Por quê? Mas o mundo não é injusto? Talvez seja porque fazemos parte dele. Se a sociedade é sempre culpada é porque somos, como seres individuais, tão culpados quanto. Culpados pelo o quê?  É só olhar nos jornais tingidos de rubro sangue. Ou melhor, apenas reparar na fome, miséria, violência e todo o resto que nós sociedade fingimos não existir, preocupados com a roupa que vamos para alguma festa.

        “O mundo é egoísta, porque assim somos”, palavras estas refletem nos olhos daquela menina de mão enfaixada, trancada dentro do carro. A dor da realidade grita crueldade. “Se todos nós somos egoístas, porque reclamamos tanto do egoísmo do outro?” Parece uma dúvida complicada, porém a resposta é simples. Reclamamos, pois dentro do nosso egoísmo, queremos ser egoístas sozinhos. O resto que se vire para fazer o mundo melhor. Mas nós, eu sou, o resto também.

        Monise que entender o motivo que faz tanta gente, dos mais ricos aos mais humildes, sorrir. “O que essas pessoas acham de tão engraçado para carregar estes sorrisos?”, pensa esta menina sem esperança. Talvez esta seja a diferença entre o feliz e o triste: a esperança. Esperança que depois de um dia inteiro de chuva, o outro amanhecerá esbanjando Sol. Pessoas que tem esperança em ganhar na loteria. Ganhar um beijo. Ver um arco-íris. Esperança no seu time do coração. Na bolsa de valores. Que a novela seja boa. Esperança nos filhos, pais, irmãos. Esperança na religião. Em Deus.

        As pessoas só podem acordar felizes se tiverem esperança. Os que não esperam por nada acabam por entrar em depressão. Contra um pensamento ruim, apenas o bom para salvar. E a vida continua. Continua para quem quer continuar. É um ciclo. O estranho ciclo da vida. E quem é que quer viver?

        O estranho filme acaba. Na garagem é tudo cinza. O colorido é dado por alguns carros ali parados. Seus pais falam alguma coisa para a menina sair do carro. Ela sente como tudo fosse à primeira vez e observa o que lhe cerca com certo estranhamento e admiração. Sempre que volta de uma quase morte, ela se sente assim. Alguém que acabara de recuperar a visão e saiu do escuro.

        A jovem loira e tatuada entra no elevador. Nenhuma palavra sai de sua boca. Repara em todos os detalhes, em todas as luzes e chega à porta de casa. “Como esta porta tem detalhes”. Entra e olha a sala. Seus pais estão cansados. Monise está viva mais uma vez. Parece que sua vida não lhe cansa de dar oportunidades. Ela vai até um grande espelho que tem na sala de estar e repara em seu rosto, sua pele pálida, seus cabelos curtos, suas olheiras. Lembra quando era ainda mais jovem. Seu jeito moleca, atrevido, sua pele avermelhada de tanto correr, seus cabelos compridos e lisos. Não tinha olheiras, nem piercings, nem tatuagens, nem tristeza. Seu sorriso era lindo e sincero. Hoje é lembrança do álbum de retrato. Talvez ela tenha que se enxergar mais a fundo.

        Sua mãe a interrompe perguntando se ela ainda queria batata frita. Monise fez sim com a cabeça, sorriu, virou para a mãe e falou que quer bolo de chocolate. Sua mãe lhe sorriu de volta. Parecia aquela menina levada que andava de boné virado para trás e adorava skate. A menina que ia feliz para escola, não para aprender matemática ou língua portuguesa, mas para fazer piadas com os amigos. A menina amiga de Fred. Menina de olhos contentes. Onde essa menina foi parar?  Talvez nem ela saiba.

        A mãe de Monise sente saudade da filha. A filha sente falta de sua própria alegria e daquela que os pais tinham. Mas depende dela. Depende do quê? Por quê? É ela. Monise. Linda, loira, classe média alta. Olhar que murchou igual a flor de jardim quando é arrancada. Quem ou o que tirou Monise da terra? Que ou quem a tirou dela mesma? Seu corpo parece oco. Sua alma está perdida junto da sua felicidade.

        - Filha, aqui as batatas? Você tem que se alimentar. O que quer comer?

        - Comida chinesa.

        - Vou pedir.

        - Mãe…

        - O que foi?

        - Eu amo você e o papai.

        - Nós também te amamos.


***

Luciana

       
        O seu silêncio na mesa foi tão estranha, que preocupou seus pais. Nunca viram a filha séria e calada daquele jeito por tanto tempo. O pai resolve quebrar o gelo e o silêncio dizendo à Lu que ela poderia sair do castigo. Ela apenas agradece, termina o almoço, pede licença e vai para o quarto. Está chocada com o que ficou sabendo de Monise. Luciana é tão alegre que não compreende a tristeza. Ainda mais aqueles atos. Ela gosta tanto de viver, que enxerga qualquer ato contra a própria vida alguma coisa insensata. E é.

        Ela queria entender. Ela queria saber… Queria? Ela quer, pois é uma necessidade. Como alguém pode ser infeliz em um mundo tão lindo. A vida é maravilhosa que as lágrimas parecem sempre injustificáveis. Ainda mais nesta cidade, onde o azul do céu parece ser o mais belo. Tem o mar, a praia, árvores, flores, pássaros. A natureza dá um show. A vida é incrível. Existem problemas? Sim, mas nós que criamos. Se pudermos criar problemas, também somos capazes de criar soluções.

        Solução. Luciana quer ajudar Monise e achar isso, a solução. Luciana Resolve dar uma volta para pensar. Anda, anda… anda… até que repara no seu caminho. Ela está indo ao bar que conheceu a Monise, Bruna, Catherine e Alicia. E decide ir lá de vez. Quem sabe lá, justo lá, uma idéia surge. Quase não anda, já corre. Chega a praça próxima do bar. O bar a esta hora está fechado. Ela olha a praça e vê uma moça bebendo alguma coisa pelo gargalo. Parece vinho. E fumando sentada em um dos bancos da praça. Parece frustrada e pensativa.

        - Mas eu acho que já a vi. Mas… é a garota do violão.


***

Encontro Casual (Catherine e Luciana)

        Luciana se aproxima da cantora.

         - Você acredita em destino?

        - Se o destino for um cara gozador, eu acredito.

        - Não me reconhece?

        - Hey!!! Você estava neste bar sexta!

        - Sim. Você é a garota do violão, que batia a cabeça no balcão… ops… rimou…

        - Isso. Você é a louquinha que puxou assunto comigo.

        - Exatamente.

        - É… destino, não é?
       
        - Parece.

        - Você não sabe o que esse cara gozador anda aprontando comigo.

        - Diga.

        - Lembra daquela garota que estava no bar de olhos verdes, chorando… uma das cornas…

        - Sei sim…

        - Então, saí com ela. Almocei na casa da irmã dela com ela e a cunhada.

        - E aí? Ficou com ela?

        - Não.

        - Como não?

        - Tudo parece nos aproximar e depois afastar. Pior que estou com muita vontade de ir para cama com ela.

        - Que foda! Mas tenta de novo. Ela é gata…

        - Muito gata. Mas… ah! Cara! Nunca tive dificuldade pra trepar com ninguém.

        - Ela quer?

        - Sim. Pelo menos parece. É o resto que atrapalha. Mãe, a ex…

        - Leva ela pra sua casa e a tranca e diz que ela só sai se der para você.

        - Boa… boa…

        - Pois é. Para idéias de sexo desesperado chamem a Lu aqui. Sou muito boa para pensar nisso.

        - Sério? Mas você parece ser tão nova…

        - Sou. Tenho dezessete anos. Fico maior de idade no final de novembro.

        - Opa! Festa!

        - Com certeza. Aniversario meu sempre rola festa. Sou muito sociável. Mas voltando ao assunto mais interessante: Sexo. Eu só sou boa em sexo escondido, aflito, corrido e desesperado, porque eu tenho namorado.

        - Mas vocês dois só trepam correndo?

        - Não… não… o sexo desesperado não é com o Gu, mas com as meninas que eu fico.

        - Esperta você… mas tem que ser mais devagar com as mulheres… o melhor do sexo entre duas mulheres do que com homem é que com a gente demora mais… é mais excitante… mais gostoso… mais quente…

        - Eu faço o que posso. Eu amo muito meu namorado pra deixar de ficar com ele, mas eu também amo as mulheres. Não quero deixar de ficar com elas também.

        - Freud explica?

        - Acho que nem ele…

        - Mas e aí… o que conta de novo? Por que veio de novo a esse bar?

        - Cheguei aqui sem querer. Mas eu estou meio pensativa com um lance.

        - O que foi?

        - Lembra naquela mesma noite em que nos conhecemos, tinha uma menina loira de cabelos curtos…

        - Sei sim… comeu ela?

        - Não. Sabe… eu tenho impressão que eu conheço de outro lugar, mas não é isso.  Eu liguei pra ela hoje. Ontem nos encontramos de tarde e foi legal. Mas hoje, ao falar com ela notei que sua voz estava estranha. Ela está no hospital.

        - Morreu alguém?

        - Cara, pior que isso. Ela foi hospitalizada.

        - Por quê?

        - Ela falou alguma coisa com cocaína e punhal.

        - É… essa menina tem problema…

        - Eu percebi. Eu quero ajudá-la, mas não sei como.

        - É… menina… está foda para nós duas…

        - O que faz uma menina bonita atentar contra sua própria vida?

        - Ela deve ter alguma coisa que a faz muito infeliz. Trauma de infância. Sei lá…

        - Pois é…

        - Lu… esse é o seu nome, não é? Vamos fazer uma coisa. Nos unir para solucionar os problemas dessas garotas que estamos querendo levar para a cama.

        - E também tem a Bruna. Ela estava no bar também e é corna de namorada e amiga.

        - Lógico. Vamos traçar um plano.

        - Aquela garota dos olhos verdes parece ser do tipo que pra trepar tem que conquistar.

        - É… e eu que já conheci mãe, irmã, cachorro… em dois dias… E olha que eu só quero sexo. Como pode isso? Se eu quisesse casar com ela eu não teria conhecido as duas assim, direto.

        - Você poderia ver o que ela faz e mostrar interesse. Mulher ama ser alvo de atenção.

        - Pelo o que eu entendi ela é artista plástica. Escultora.

        - Que delicia. Ela, com certeza, é boa com as mãos.

        - E como deve ser… só de pensar fico arrepiada…

        - Ah… leva ela para museus, exposições, teatro… ela deve adorar esses tipos de coisas. Umas coisas mais sofisticadas e culturais.

        - Boa… bem, a loirinha lá da coca, ahm… você tem que mostrar a ela as coisas boas da vida.

        - Já sei… vou ficar pelada na frente dela.

        - Ai… essa minha cabeça que consegue imaginar tudo que falam. Essa bendita criatividade… só de pensar eu fico querendo também…

        - Quer mesmo?

        - Eu sou da seguinte filosofia: quanto mais, melhor.

        - Você mora longe?

        - Não. Topa?

        - Só se for agora.

        As duas sorriram com o sorriso mais safado de cada uma. Cat jogou a garrafa de vinho vazia no lixo e levou a menina para a sua casa. Não é tão distante. No caminho elas marcaram que deveriam reunir as cinco. Principalmente para auxiliar a Monise.

        - E como podemos ajudar a corna que você falou? Aquela menina em que a namorada e a amiga se pegaram… Bruna, não é?

        - Ah! Essa a minha amiga Bárbara está dando um jeito. Mas ela poderia ajudar com a Monise e a Alicia.

        - Boa… boa…

        - Mulheres…

        - Complicadas…

        - Deliciosas…

        - Como alguém pode viver sem?

        - Nem sendo uma…

        - Você pensa em se casar?

        - Não sei. Se for com homem, só se for o Gustavo. E você?

        - Eu tenho alergia a essa palavra. Prefiro assim: sem amor, sem dor.

         - Faz sentido.

        Elas chegam ao prédio de Catherine.

        - Você mora aqui?

        - Moro.

        Elas sobem e entram no apartamento.

        - E aí?

        - Vamos?

        - É… Vamos…