Domingo, dia três de agosto de 2008.
Catherine
Carolina: - Eu preciso ir embora.
Catherine: - Vai me deixar sozinha?
Carolina: - Eu tenho que ir. Você vai ficar bem?
Catherine: - Ficar bem? Eu não sei. Mas… é… você precisa ir embora. Já ficou tempo demais aqui. Seus amigos devem estar preocupados.
Carolina: - Vou me vestir.
Catherine: - Quer tomar café?
Carolina: - Não, obrigada. Estou realmente com pressa.
Catherine: - Tudo bem. Até dia desses.
Carolina: - Até nunca mais. Eu acredito que será difícil de voltar nos ver. Eu estou viajando e moro em outra cidade.
Catherine: - Ok, então…
A moça se veste e vai embora, deixando para trás não uma pessoa, mas um vulto, o vulto da presença de Catherine. Um olhar triste olhando para o infinito. Novamente estava sozinha. Estava acostumada com aquela sensação nos outros dias, mas hoje realmente não queria ficar sozinha. Queria ter alguém para tomar o café com ela. Queria sentir calor mesmo nos dias mais frios de inverno. Queria poder enxergar o perto e não o distante. Queria amar, mas o medo não deixa.
Quem tem medo do amor está condenada à solidão. Uma condenação pior do que qualquer prisão perpetua. Pior que qualquer dia de chuva. É o verdadeiro mal do século. A solidão causada pelo o medo de amar pode não só machucar a si, mas aqueles que tentam lhe amar. O medo do amor é a mais estranha forma de se proteger, se auto-preservar. É pior do que o medo da morte e o medo da solidão. O medo da solidão lhe faz buscar soluções para que isso não ocorra, o da morte lhe faz ter filhos, querer deixar a sua marca no mundo, o medo de amar só lhe faz ficar cada dia mais sozinho.
Precisava colocar para fora todos aqueles pensamentos, aqueles sentimentos. Pegou o violão. Nem tomara o café e estava ali com o violão no colo, tentado resolver seus problemas com seus pensamentos. Enxugou uma lágrima boba que teimou em escorrer pelo seu rosto e entrou no silêncio do local. Respirou fundo para deixar que tudo aquilo entrasse como uma droga. No violão tentava dedilhar alguma coisa, mas suas mãos suadas e frias não deixavam que saísse a perfeição. Colocou o violão no chão, ascendeu um cigarro e pegou um café. Tomou o café e nem termina de fumar e apaga o cigarro. Pega novamente o violão. Coloca o violão novamente no chão, vai ao quarto e pega um caderno, uma caneta e o gravador. Seus dedos voltam a dedilhar o violão preto.
- Dó ré mí… Ré? Ré… Ré fá sol lá… Ré Sol Lá… Não, não… Ré Sol Mi Lá… Alguma nota a mais, a menos, sustenido,… ok? Bonito… E letra? Nunca escrevi nada que preste. Ah… vou tentar. Eu preciso hoje de colocar meu coração para fora.
Saio pela noite, as noites são todas eternas, menos para mim
Não tenho nome, sou apenas mais uma no meio da escuridão
Que me leva para a vida…
Os sonhos acabaram, como tudo acaba
Mudei de padaria
Ela pára e dá uma risadinha. “O sonho acabou e eu fui à outra padaria? (risos)… bom… bom… vai ficar assim…”.
Não vou esperar mais…
Mandei buscar algo novo…
As cervejas acabaram… Elas sempre acabam
… talvez dose extra de amor
(Meu amor)
…
…
…
E agora? Tem que entrar um refrão… o que pode ser? Algo fácil… simples… E que seja a minha cara… Hum…
Não quero me importar…
Só quero ser feliz… (Ser feliz)
Acho que é isso… Não, nem foi nem a metade do que estou sentindo… preciso me curar… para todos os males, o melhor remédio, a música…
Onde eu possa ver
O Sol nascer e dormir…
Viver todas as emoções
Mesmo que eu venha a chorar.
Não desejo ter todos os desejos
…
Às vezes é bom nem desejar…
Ela pára, respira e sente seu rosto molhar novamente. Sente seu coração doer… mas o que dói é na profundidade de sua alma… quer dizer mais alguma coisa, e volta a tocar e canta o trecho que é logo escrito na folha…
Ninguém me compreende…
Mais uma lágrima escorre pelo seu rosto…
As minhas loucuras me fazem seguir…
…
Só quero um amor
Que me faça sorrir…
E mais uma vez o refrão
Não quero me importar…
Só quero ser feliz… (Ser feliz)
Catherine canta a música novamente e grava no gravador… Escuta e chora… quer fazer alguma coisa, não sabe… Escuta uma buzina… corre para a janela… não é para ela… está sozinha, de novo… mas agora tem a canção… uma canção sobre ela… Quem sabe um dia uma canção de amor…
Chora e sonha de olhos abertos… que fazer uma declaração de amor eterno, mas não ama ninguém… Queria um amor… Queria saber o que é ser amada… Quer ligar para Alicia…
- Ela não vai querer me ouvir… Quem vai querer dar bola para uma pegadora solitária? Ah! Que ficar chorando magoas… eu quero essa mulher na minha cama e só… e só… Ela é linda demais para uma noite apenas, mas é o que pode rolar… e é o que vai rolar…
Catherine pega o telefone, mas coloca novamente no gancho… sente medo… não tem certeza de nada, de mais nada… nem dela própria… sua mente ordenava algo, mas seus sentimentos queriam outra coisa… ela quer amar, mas nunca soube fazer isso… e nem ela sabe o porquê de tanto medo… mas um dia até o maior dos gigantes sofre uma queda…
***
Alicia
Ela acorda com Catherine na cabeça. Sonhara com a moça alta, magra, de mãos grandes e, eternamente, atraente… Deu até vontade de voltar lá para dar o beijo que ficou devendo, mas logo, Vanessa vem a sua mente. É como ela ainda não se sentisse preparada para pensar em uma mulher que não fosse a sal Vanessa. A louca Vanessa que um dia diz algo e depois diz que sente atração, mostra ciúmes. A mesma Vanessa que foi dura um dia, agora parecia outra… Como uma pessoa poderia parecer tantas ao mesmo tempo? Como alguém poderia ter tantos sentimentos diversificados.
Alicia coloca para tocar um CD, pula umas canções. Escuta Fernanda Takai com Insensatez. Sentia que essa é a música do seu dia, aliás, de seus dias. Fica arrepiada, sente a tristeza que a cantora parece passar e essa tristeza mistura com a sua própria tristeza e confusão. “Quem pede perdão não é nunca perdoado…”. Frase perfeita. Linda. Por que será que isso sempre acontece? Não é o caso atual dela, mas até lembrou de uma ex-namorada que há anos que não a vê. Ela errou e pediu perdão e até hoje não foi perdoada. Até hoje o silêncio e a distancia de um erro e uma falta de perdão permanece dentro de si. Mas foi um pensamento ligeiro. Não gosta de lembrar desta ex-namorada. Algumas pessoas não se devem lembrar, pois a ferida já sarou, mas a cicatriz é eterna.
- Ops. Entendi errado. “Quem não pede perdão não é nunca perdoado”. Mas ainda é linda.
Olha o relógio. Não sabe o que faz. Vai até ao banheiro, escova os dentes, penteia os cabelos. Pensa… pensa… pensa… resolve tomar seu café. Come mamão, torradas com geléia de morango, uma xícara de chá. Depois toma um copo de suco de soja integral. Sente-se sozinha. Uma mesa com tantas cadeiras e ela ali sozinha na sua refeição matinal. E dia após dia é assim. Todos querem sair da casa dos pais e morarem sozinhos, mas às vezes, a solidão incomoda demais. Não ter ninguém para contar como foi o dia. Ninguém para abraçar e chorar. Ninguém para reclamar dos pratos sujos, ou da calcinha na torneira do chuveiro. Ninguém para acordar ao lado, ou correr para atender ao telefone. Ninguém para esperar depois do trabalho para ir ao cinema. Ela se sentia sem asas para voar. Sentia sem um mundo para viver. Sentia que algo falta. Uma parte está vazia, e sempre esteve. Nem Vanessa preencheu na realidade a solidão da manhã.
Sente uma brisa fria entrar pela janela e encontrar dentro dela uma perfeita moradia, com pelos arrepiados, mãos que tremem e solidão. Ninguém para esquentar. E ela pensa… pensa… pensa… quer ligar para alguém. Quer chamar alguém para tomar café. Ou para almoçar, ou até mesmo, lanchar, jantar, dormir com ela… mas se sente tão sozinha. A confusão de Vanessa a deixou sem chão, tanto quanto o seu ecoante “acabou”. Não seria Vanessa, nem, tão pouco, Catherine que iriam preencher aquele vazio. Queria ligar pra outra garota, para algum amigo, para a mãe, para a irmã. Queria gritar… berrar aos sete ventos qualquer palavra desconexa que fizesse sentido na sua ausência interna. Ela dá um berro. Sai do seu eixo impecável de menina certa. Todos sempre a olham como uma conta matemática. Exata. Mas ela quer o descontrole. Ela quer se sentir viva.
- EU SOU UMA MULHER!!! EU PRECISO DE AMOR!!!
Ofegante. Aos prantos e ao mesmo tempo sorrindo. Rindo do próprio descontrole. Rindo de seus gritos. Todos sabem que ela é uma mulher do sexo feminino. Mas não é só porque ela é mulher que ela precisa de amor, todos precisam de amor. E por que o mundo precisa a ouvir gritar isso? Ela ria e ria. Sentou no sofá e imaginou a irmã a chamando de louca se soubesse disso e daria risadas também e se ela estivesse lá, com certeza, gritaria com ela.
- EU QUERO UM AMOR QUE ME FAÇA PERDER OS SENTIDOS!!!
Ela escuta uma voz masculina respondendo:
- VEM AQUI, GATINHA, QUE TE FAÇO PERDER TUDINHO E AINDA TE CHAMO DE MEU AMOR…
Ela deitou e chorou de tanto rir. Teve vontade de responder o rapaz, mas teve medo dele ir atrás dela. Ela não queria ficar com um homem. Mas e se ele fosse uma boa companhia para conversar aos berros?
- OI!!! QUAL É O SEU NOME?
- POR QUE QUER SABER? VAI VIR AQUI ME BEIJAR? EU ACEITO.
- SÓ QUERO SABER O NOME DA ÚNICA PESSOA QUE ME ESCUTOU.
- AMOR, TODO MUNDO DO PRÉDIO QUE ESTÁ ACORDADO, ESCUTOU VOCÊ GRITANDO.
- MAS VOCÊ FOI O ÚNICO QUE RESPONDEU.
- POR QUE EU QUERO FAZER VOCÊ PERDER OS SENTIDOS.
- QUAL É O SEU NOME?
- SÓ RESPONDO SE VOCÊ VIR AQUI EM CASA.
- EU SÓ VOU SE VOCÊ ME DISSER SEU NOME.
- MEU NOME É MARCOS E O SEU?
- ALICIA!
- ALICIA? A ARTISTA QUE MORA DOIS ANDARES ACIMA DO MEU APARTAMENTO?
- ACHO QUE SIM!
- VEM AQUI! VOCÊ JÁ SABE ONDE EU MORO E MEU NOME. FIQUE TRANQUILA. SÓ VAMOS TOMAR UM CAFÉ JUNTOS. TOPA?
- TOPO. ESTOU INDO.
- VALEU!
Alicia veste uma calça e uma blusa e vai ao apartamento do rapaz. Não consegue parar de rir nem para passar batom. Queria se sentir bonita. E ele a conhece? Deve ser do elevador. Sempre teve vizinhos muito simpáticos, comunicativos. Chegou lá, ajeitou a blusa e tocou a campainha. Quem abre é um rapaz acompanhado de um cachorro. Ele está de bermuda e chinela sem camisa. Bronzeado, cabelos escuros, um jeito de garotão de praia. Ele a convida para entrar. Ela entra um pouco tímida. Ele serve um café para ela e a moça senta com a xícara na mão. Os dois começam a conversar. Ele quer saber o motivo que a fez gritar. Ela é bem honesta, falando de seus problemas com mulheres. Ele disse que já sabia que ela era lésbica. A viu subindo com uma garota várias vezes, a Vanessa. Ela fala que não quer falar de sua solidão. Ele diz que também se sentia sozinho de manhã e comprou um cachorro para fazer companhia. E que o leva para sair, para azarar as gatinhas. Às vezes ele vai surfar e o cachorro fica triste. E é pior quando ele volta do trabalho, o cachorro pula de felicidade, mas antes, quando está saindo para o trabalho, o animal de estimação chamado Sadan. É um pastor alemão de oito meses. Brincalhão e amigo. Eles resolvem dar uma volta no calçadão da praia e levar o Sadan. Os dois saem. Conversam, se divertem, caem na gargalhada, falam de coisas sérias e depois um acaba fazendo uma piada para descontrair o ambiente.
Por todo esse tempo ela não se sente sozinha e nem pensa em Vanessa e Catherine. Parece que encontrou um amigo, ou melhor, dois. Marcos e Sadan. Ela pensou seriamente em aumentar seu ciclo de amizade. Pediu para o Marcos acompanhá-la até uma loja de animais (pet shop) e resolveu escolher um animalzinho de estimação. Quase levou um gato, mas se apaixonou por um cachorro de dois meses, um beagle lindo que estava com outros, mas ele estava no canto e chorou quando ela chegou perto e dava a patinha. Não quis olhar mais nenhum. Foi paixão a primeira vista. Ela batizou o pequenino de Bartolomeu. A moça entusiasmada comprou coleira, ração, tigelas e outros utensílios para o novo amiguinho. Até mesmo shampoo. Marcos a ajudou a levar tudo aqui eu ela comprara para o apartamento.
Eles chegaram ao apartamento. Sadan rosnava para o filhote que chorava. Marcos era simpático com Alicia. Sempre achou a vizinha linda, mas achava uma pena ela gostar de mulher. Sentia uma atração por ela. Ele deixou as coisas do Bartolomeu dentro da casa da moça e falou que eles deveriam sair mais vezes. Ela concordou, trocaram dois beijos no rosto e o rapaz foi embora. Agora ao único ser que ela quer dar atenção é o pequeno cão. Ela nunca teve um cachorro, mas se sentia feliz por ter um agora.
E os dois foram se conhecendo…
***
Bruna
Viver. Palavra de cinco letras, onde duas se repetem. Vi-Ver. Pode parecer apenas uma conjugação e um verbo. Eu vi para você ver… Viver… algo que na teoria parece ser simples. Comer, dormir, respirar… andar, ver os pássaros no céu, enxergar, sentir o friozinho do inicio da noite, ou o sol que acaba de nascer… viver… são tantos detalhes, pequenos, minúsculos, são milésimos de segundos de vida… uma arrancada de carro de fórmula um. E todos esses instantes de vida, tão profundos, parecem, às vezes, ter o menor sentido. O sentido de viver acaba sendo sentir.
E que sentimento é tão mais gritante que aquele que os cantores, poetas, românticos berram pelas ruas. O sentimento que tão vivo que se enxerga nos olhos sorridentes e lacrimosos. Sentimento que é o primeiro na lista para se lembrar. O amor acaba se confundido com o viver. E o amor se apresenta em tantas formas, que nem sabe quando um é um ou é tal. Amor que se ama, ou que apenas pega fogo. Amor… amor… amor… Quem o compreender é porque não sentiu.
Bruna ainda no seu sofrimento de sentimentos, de seus amores, de sua falta de compreensão pelo o que sentir, pelo o que sentiram. Ela ainda sofre porque sente. E ela sente porque vive e ela vive por sentir tal forma de morte expressiva. E ela vive morrendo de amor, sofrendo chorando, calada, amando. As frutas não parecem ser tão doces como eram. As cores nem são tão vivas. As paredes coloridas não são mais bonitas. Ela se sente ferida, como tivesse engolido fogo liquido, e mil anzóis tivessem lhe arrancado à pele. Mas, apesar da morte na boca, ela vive. Ela respira, ela come e tenta dormir. Ela ainda vê os pássaros, mas a vida parece não ter sentido quando um grande amor acaba. E independente de como acaba, tudo se torna mais triste. Quando o amor é novo, tudo é belo, tudo mesmo. Mas quando acaba até as crianças se tornam feias.
Ela anda de um lado para o outro vivendo a solidão da sua dor. Só ela que sentia o que ela estava sentindo. A dor é um sentimento totalmente solidário, pois, mesmo que alguém se sensibilize com o que sente, ninguém pode pegar a metade de seus sentimentos para te ajudar a não carregar aquele peso no peito. A dor é uma dor e não bolsas do supermercado. O peso é na alma e não nos braços cansados.
Seus olhos já não têm lágrimas. Ela não tem mais força para chorar. Seus pensamentos são ligeiros como uma lebre de história infantil. Seu coração teima em disparar quando vê sem querer alguma coisa que lembre Cássia ou Lígia. E são tantas coisas que faz lembrar. Não foram milésimos de vidas e sim, horas, dias, semanas, meses e anos de vidas entre as três. Entre duas. Em uma, em uma Bruna que sofre sozinha. Engole o ar e o choro. Respira. Inspira. Respira…
Denis chega perto da irmã. Quer dizer algo, mas nada diz, assim como os pais. A casa está em um silêncio doloroso, como alguém tivesse morrido e todos estivessem velando o morto. A morte das vidas em comunhão.
Todas as paredes parecem um quadro de seus sentidos desmanchados pelos os cantos. Tudo está em silêncio.
O telefone não toca. O prédio está calmo. Os cachorros não latem. Tudo está em silêncio.
Por que ter o coração a bater, se não vale a pena? Elas não merecem. Elas não vão ouvir. Tudo está em silêncio.
Tudo está em silêncio…
A vida não tem mais os gritos e cantorias de Ligia. Não tem as palavras doces e inteligentes de Cássia. Não tem nenhum oi… beijo… senti sua falta. Poderia até ter. Poderia perdoar. Mas… como perdoar? Perdão é algo tão complicado. Perdoar a traição é contra a natureza egoísta humana. Perdoar é ir contra o orgulho humano. Perdoar é a mais sábia ação e a mais dura também. Dar a outra face como Jesus fez. Talvez o perdão não seja ato humano. Bruna, no fundo queria abraçar as duas e dizer que as ama. Queria dizer que as perdoa, pois mesmo sofrendo, ainda ama, mas não consegue. A imagem ainda aparece em sua mente. E as palavras de Braguinha cantadas por Ligia na noite anterior realmente a tocou. Foi uma estupidez, prejudicou, ou poderia prejudicar a vida das duas, mas foi a estupidez mais linda que alguém cometeu. Dizer que ama em público é complicado. Mobilizar várias pessoas para isso é ainda mais difícil. Será que elas estão sendo honestas, mesmo tendo errado? O que é verdade e o que é mentira? O que ela sente? O que ela vive?
Tudo está em silêncio, apenas Bruna, com os gritos de seus pensamentos e sentimentos fazem barulhos. Um barulho dentro dela, mas que todos escutam. Todo resto do silêncio é para ouvir a dor de Bruna berrar por socorro.
Tudo está em silêncio…
***
Monise
Pior do que ir ao hospital é dormir em um. E pior do que dormir em um hospital é saber que foi você mesma que provocou aquilo. E nos braços da mãe o choro é verdadeiro. Ela chora sem dizer nada. A mãe não quer perguntar nada também. Abraça a filha e chora junto. Talvez essa tenha sido o momento mais forte no coração de Monise, desde que ela começou a sofrer. Ela estava tremendo. Chorava e chorava. Queria gritar, mas estava em um hospital. Queria dizer alguma coisa, mas nada podia dizer naquele momento. Era momento de lágrimas e suspiros. Momento de ela ser mais filha e a mãe ser mais mãe e ter naquilo a parceria que nasceu quando duas células se uniram. Monise se sentia um feto no ventre materno.
O colo da mãe a deixa aquecida e confortável. Perde o choro. Quer apenas abraçar a mãe e sentir seu calor. É no colo materno, que naquele momento, ela vai à busca de seu “eu” perdido. Uma menina forte, corajosa, amorosa, feliz. Monise que se perdeu em uma selva de pedra. Em um mundo cruel. Um lugar de pessoas egoístas. Este local que é um pedaço de cada pessoa que nela sobrevive. É neste mundo real, longe do ventre acolhedor de sua mãe, que Monise, aos 14 anos de vida, perdeu a vontade de viver. Às vezes pode ser ruim nascer.
NASCER
VIVER
MORRER…
Três palavras. Destino de qualquer espécie vivente. Todos nascem, vivem e morrem. Porém, para Monise as duas últimas viraram um mórbido sinônimo. VIVER = MORRER. Morrer de tédio… morrer de dor… morrer de tristeza… até morrer de amor… é morrendo que se vive. E a cada dia de sua vida é uma morte certa. Ela se sente mais viva quando tenta perder a vida, do que quando tenta viver. Mas, naquele colo, o amor e calor de sua mãe a fez pensar em renascer, para tentar uma nova vida com mortes menos sentidas.
Viver é a parte mais difícil deste sistema. Enquanto vive, você se depara com idas e vindas. Nascimento e morte. Não só no sentido literal das palavras. Você vive de encontrar pessoas. E quando essas pessoas entram na sua vida, algumas são de uma forma forte e única. São seres humanos como você. Carne, sangue e osso como você. Porém, algumas dessas pessoas entram e ficam. Você vive essas pessoas e essas vivem você. E um dia, de alguma forma, tudo morre. Alguém pega o trem, avião, ônibus, ou simplesmente, não querem mais te ver e ignoram a sua existência. A pior morte é aquela que tem vida. A saudade é o pior sentimento. Perder alguém é a pior das torturas. Perder alguém que você ama é ainda pior.
Quem já perdeu o pai? A mãe? Tio? Tia? Primos? Irmãos? Amigos? Avós? Namorado? Namorada? Quem já se sentiu sozinho, sabe a dor que tem a perda. Monise acorda e dorme todos os dias com a perda da própria essência. De suas próprias lágrimas. Sente saudade dela, de Fred e de todas as pessoas que fizeram parte de sua vida e hoje só encontra o silêncio cruel da saudade. Monise sofre porque nela o maior sentimento é a saudade. Monise sofre porque nela o maior sentimento é a saudade. O medo, frustração, raiva, solidão tudo faz parte. Todos calaram o amor e dele resta a triste e cruel saudade. Mas é assim:
NASCER… VIVER… MORRER…
Seu pai entra no quarto e vê a cena de suas mulheres chorando e abraçadas. Ficou calado na porta. Uma lágrima escorre pelo seu queixo. Via naquela cena a dor da mãe que não quer perder a filha. E a filha que já se perdeu e agora tenta, desesperadamente, encontrar o caminho de volta para seu renascimento.
Ele se aproxima depois de alguns eternos minutos. Coloca a mão na cabeça da filha. Ela o olha com tristeza e carinho. Ele retribui o mesmo olhar e diz meio engasgado, que na vai desistir dela. Vai procurar alguma forma dela ser feliz. Nem que seja a última coisa que faça em vida. Amor entre pais e filhos, quando de fato existe, é a mais sincera forma de afeto existente. Um pai ou uma mãe morreriam a qualquer hora pelos seus filhos. Os pais de Monise morrem um pouco cada vez que ela tenta buscar alguma vida na morte.
Pai: - Você vai começar outra terapia amanhã, após as aulas.
Monise: - Tudo bem. Vou tentar de novo.
Monise realmente quer tentar e desentalar aquele grito, que permanece na garganta há mais de um ano. Um ano e meio de silêncio e choro contido. Uma morte eternamente longa. O que parece não ter fim. Agora tinha que ter. Quer poder voltar a falar com Fred. Quer ter amigas. Quem sabe um amor?
Médico: - Ela terá alta ainda hoje.
O médico que entrou silencioso no quarto, ainda acredita que a internação é a melhor saída para a jovem. Mas os pais a amam. Por que não dar uma chance ao amor?
O silêncio e a saudade são os piores venenos ao coração, que deseja a felicidade. Para esses apenas um remédio: amor.
Só o amor para acabar com todos os problemas. O amor cura qualquer dor na alma. O amor é o que lhe busca e tira de dentro do labirinto das paixões e lhe faz nascer todas as vezes que for necessário. O amor é incansável, implacável. Amor é o bem mais importante para todo ser.
***
Luciana
Ela resolve ir tomar o café da manhã. Prepara como sempre leite com cereal. Pega alguns morangos e torradas e mel, para acompanhar. Estava com fome. Muita fome mesmo. Estava sentindo fome quando ela acordou no meio da noite, mas não quis ir comer. Agora toma todo o cereal com leite, come as frutas e torradas com mel. Sempre gostou de mel. Coloca mel em quase todas as frutas e em suas vitaminas. Não usa muito açúcar, o mel adoça mais e é natural.
Está pensando em ir andar de bicicleta. Dá umas voltas. Ainda tomando o café, pega o jornal e lê algumas atrocidades cotidianas. Pega a parte de esporte para saber como está o seu time de coração, o Botafogo. O pai é flamenguista, a mãe admira o Fluminense e ela é Botafogo, para não torcer nem para o time do pai, nem para o da mãe. De verdade os botafoguenses mais próximos dela é o avô por parte de mãe e o Gustavo. Muitas vezes eles foram ao Maracanã assistir jogo, agora no Engenhão. Quando era mais nova ia com o avô e o Gustavo, agora ela e o namorado vão sozinhos. O jogo de hoje será no Paraná, contra o Atlético Paranaense. Ela queria muito ir ao jogo, mas na semana seguinte ela vai e chama o Gu.
Termina de tomar o café e resolve ligar para a Bárbara para elas andarem um pouco de bicicleta, mas antes de ligar os pais perguntam para quem ela está ligando. Ela é honesta e diz que é para a amiga, para elas irem dar umas voltas de bicicleta. O pai a lembra do castigo. Ela diz que precisa fazer exercícios para não sair de forma para os jogos. A mãe fala que ela só pode sair se for com o Gustavo. Ela liga para ele. O rapaz estava dormindo, mas diz que sai com ela para andar de bicicleta, para ela passar lá, que ele vai trocar de roupa e tomar café. A menina se arruma e sai com a bicicleta para a casa do namorado. Mas antes liga para a amiga e já marca todo o esquema, de parecer que foi por acaso. Diz que vai dar um toque nela quando eles saírem do prédio.
Gustavo não estava disposto a sair. Estava se sentindo muito cansado, mas gosta de atender aos pedidos da namorada. Gustavo é o típico de namorado que toda menina gostaria de ter. Bonito, rico, respeitador, carinhoso, bom de cama, inteligente, educado e faz todas as vontades de uma mulher. Porém, apesar de amar o Gustavo, Luciana ainda queria trair ele. Ela gosta de mulheres e ama um homem. Ela nunca se importou com isso, mas o sonho lhe pareceu um aviso. Ela até faz questão de andar mais vezes com o Gustavo, não quer perder um minuto de sua adorável companhia.
O rapaz, com cara de sono e sunga toma um café forte, como um sanduíche um copo de suco de acerola, coloca uma bermuda e sai com a namorada e a bicicleta. Ela dá um toque para a amiga que aparece como fosse o caminho dela. Gustavo percebe que isso foi armado, mas não liga. Ele também estuda com a Babi, mas não acha uma boa companhia para a namorada. Bárbara é tão alegre como Luciana, mas ela fala palavrão e todos sabem que ela é bissexual. Bem, na cabeça deles. De verdade ela é homossexual.
Bárbara conversa com os dois e eles conversam sobre a escola e começam a rir. Luciana e Babi juntas é a garantia de risadas. Gustavo sorri e presta atenção na beleza da namorada. Sempre foi apaixonado por ela. Desde que eram apenas amigos, mas não sabia como falar com ela sobre amor. Ela nunca pareceu ser do tipo que curte romance. E agora, ele conquistara a garota que ama, vive bem com ela. Tudo bem que eles são bem diferentes. Às vezes as gracinhas de Lu irritam Gustavo, mas ele ainda assim gosta dela. É o casal mais bonito da escola.
Luciana: - Amor, Vem mais rápido. Nem parece atleta.
Gustavo: - Eu sou atleta que acorda tarde.
Bárbara: - Vamos Guga… Acompanha a gente.
Gustavo: - Ah é… Vocês vão ver.
Nisso Gustavo começa a andar cada vez mais rápido e passa as meninas e fica bem longe delas. Pára e as chama de lerdas. Elas sorriem e correm até ele. Estavam se divertindo naquela deliciosa manhã de agosto. Ainda era inverno, mas no Rio de Janeiro, nunca é frio o bastante para fazer os bons cariocas fugirem da praia.
Eles param um pouco, prendem as bicicletas e vão para o mar. As meninas estavam de biquíni por baixo da pouca roupa que estavam. Lu estava com o biquíni e uma saia curta. Bárbara estava com o seu biquíni também e um pequeno short.
Entraram com roupa e tudo. Não se incomodaram. Depois é só lavar. Eles não levam dinheiro, apenas cartão de crédito, assim a única preocupação é apenas não perder. Gustavo foi buscar água de coco para ele e para as meninas. Bárbara e Luciana, sentada em uma cadeira alugada. Babi fala para a amiga que quer ficar com a Bruna, para passar tudo sobre ela. Disse que a achava muito gata. Parou, pensou e disse que também queria ficar com a Monise. Luciana disse que vai dar o telefone da Bruna, mas somente da Bruna, pois a Monise não é para ela. Bárbara olhou para a amiga com um sorriso e perguntou se ela estava gostando da menina. Ela disse que não, que é só amiga, mas que a jovem não fazia o tipo de Babi.
Bárbara: - Amiga, fala sério. Você está afim da loirinha.
Luciana: - Não. É que ela é muito delicada. Você vai destroçar a garota.
Bárbara: - Assume que você está com ciúmes.
Luciana: - Que ciúmes. Você está louca?
Bárbara: - Então deixa eu ficar com a Monise.
Luciana: - Vai dar rolo se você ficar com ela e com a Bruna.
Bárbara: - Por que você acha isso? Elas se conheceram outro dia. Não vai dar em nada. Dá o telefone das gatas.
Luciana: - Eu vou dar o telefone da Bruna.
Bárbara: - E o da Monise?
Luciana: - Para de encher. Eu não vou dar.
Bárbara: - Por que?
Luciana: - Porque eu não quero.
Bárbara: - Fala.
Nisso Gustavo chega e elas mudam a conversa. Começam a disfarçar conversando sobre os jogos. As duas estão ansiosas. Gustavo também. Eles começam a imaginar como vão ser os jogos, as chances que a escola deles tem.
Eles terminaram a água de coco, andaram mais de bicicleta e voltaram para casa. Luciana ainda está de castigo e todos precisam almoçar.