sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Férias

Deixa eu contar e pedir um favor a vocês, meus amores.
Eu estou resolvendo uns problemas pessoais (que até dariam uma novela também).
Por isso estou meio sem tempo para poder digitar os novos capítulos. Estão no meu caderno, se alguém quiser me ajudar, rs.
Enfim, daí quero pedir para vocês umas férias curtas. Fiquem tranquilas. Eu tenho novos capítulos, falta mesmo digitar e ter tempo para isso.
Primeiro sábado do mês de fevereiro eu volto ao ar. Dia 05/02. Tudo bem?
Desculpem pelo transtorno.
Obrigada pela a atenção.
Beijos

sábado, 8 de janeiro de 2011

18º capítulo – A noite chega e nos leva além

Catherine

        Ela estava lá jogada. Já havia tragado tudo. A droga dentro de suas veias. O medo dentro de sua aorta. Medo de se entregar a paixão era maior do que de perder a vida. Morrer tem até um aspecto divertido naquele momento. Amar seria a maior das tragédias. A tragédia mais linda e saborosa, mas ainda uma tragédia.

        - Não posso viver assim. Não posso. Covarde. Covarde. Covarde. Covarde.

        Ela começou a chutar a parede. Socar o chão. E caía, sem noção. Procurava bebida pelo apartamento. Não tinha mais nada. Já havia bebido todas suas garrafas. Precisava sair pra beber, mas não se sentia forte o suficiente pra descer degraus. Deixou a mente ir além da onde ela podia ir.

        Ela viu Alicia voltar em seu apartamento e a beijando o corpo e ficando as duas nuas. Fazendo amor. E se desejando. Alicia virando outra. Virando leoa. Virando Carla.

        - O que foi isso?

        Foi apenas um sonho de olhos semi-abertos. Efeito da droga. Efeito dos motivos de sua covardia. Ela fugiu e não foi ver se Carla estava viva. Foi covarde em fugir daquilo que o coração estava querendo gritar em seu peito sobre Alicia.

        - Mas, porra, como não me apaixonar pela a mulher mais linda que eu já conheci? A mulher mais doce que já tive em meus lábios? A pessoa mais difícil para meu coração arrancar? Está na hora de transar com ela e esquecer. É isso. Se eu transar com ela vou esquecer fácil. Farei isso.

        Ela falava com ela mesma e ria. Começou a achar o monstro do pavor hilário. Era um monstro com corpo de mulher. Jeito de mulher, mas era um monstro. Ela tinha tanto medo de se apaixonar, que sempre fugia de tudo aqui que a interessava dentro do peito. Desde uma vez em sua adolescência em que se apaixonou e foi humilhada, ela decidiu que nunca mais iria se apaixonar novamente.

        - Porra, eu era uma garotinha. Era outra ocasião. Era por uma garota idiota. Sou adulta. Por que desse medo? Só rindo do ridículo que estou.

        Existem coisas que acontecem em nossas vidas que marcam toda a nossa trajetória. Transforma o caráter. A personalidade se firma nesse momento. Nesse instante de lágrimas raivosas. De mordida forte na carne crua. O gosto de sangue da vida escorrendo pela a boca. Marcado no olhar. Nas mãos rubras. O temperamento segue um caminho, uma rua sem saída. A raiva da vergonha. A raiva da desesperança. A raiva que humilha e não perdoa a si por passar por tudo isso. E mesmo que tenha acreditado que tudo passou já. Que o tempo já fez questão de carregar pra longe, ainda está ali. Todo o sentimento já modificou o que um dia podia ter sido. Apenas sido e não foi.

        Ela quer chorar, mas apenas um sorriso ferido lhe rasga a face. Ela quer ser ela mesma. Mas quem realmente é? Uma felina que sangra? Uma leoa que está sempre a caça? Um homem? Uma mulher? Uma artista? Ser humano? Ser… apenas ser… ser quem deve ser… ser quem acha que é esse ser… ser… apenas ser.

        E ela vê o mundo lá fora. Já está escuro. Ou serão seus olhos? O mundo lá fora não é tão diferente do mundo dentro. O mundo negro de sua alma em busca da luz. Mas toda luz cega. E todo amor tem seus perigos. Toda mulher pode ser o seu veneno. A mulher é a luz que cega. Ou a escuridão que lhe carrega pelas mãos.

        Ela só queria encontrar um esconderijo. E acabou se perdendo nesse labirinto. O mais louco dos seres é também o que mais disfarça. Disfarça-se de si mesmo. Máscara com seu próprio olhar amedrontado.

        Encontrar-se dentro do labirinto que construiu com suas próprias mãos. Perceber o que gira em suas formas de viver.

        - Levante-se. Levante-se. Levante-se. Garota burra. Sai desse chão que te traz ao abismo. Sai desse abismo que te leva ao chão. Sai. Sai. Sai.

        O telefone toca. Ela não entende o que se trata. Ela não consegue entender nada. O sono vai batendo. A vontade de apenas deixar o corpo tomar conta de seus pensamentos. E ela adormece. Sono profundo. Pesado. Um sono drogado.


***

Alicia

        Ela sai de seu apartamento entra no elevador e vai para o térreo. Sai do prédio e anda devagar. Se sente uma modelo. Uma mulher que tudo pode. O álcool colabora com essa posição. Ela é linda, mas sua timidez é ofuscada com seu desejo. Anda rebolando. Atraindo olhares de diversos sexos e desejos. Algumas pessoas acham que ela é louca, andar essa hora da noite, desse jeito. Outros a cobiçam e acham que ela está em busca de companhia. Outros têm certeza.

        Assobios, palavras indiscretas começam a cercá-la. A rua parece seu brinquedo. Atrair toda aquela atenção é ainda mais divertido. Ela queria ser uma mulher desejada por todos e todas. Em seu jeito de mulher linda e fatal esbanja sensualidade a cada passo. O mundo é sua passarela.

        De verdade Alicia apenas largou para outra sua parte todo o seu lado romântico. Toda sua vontade de amar e ser amada verdadeiramente. Deixou tudo se perder com o olhar que deu em Vanessa.

        Essa jovem artista plástica vive como se estivesse em uma novela de Manuel Carlos, só que não mora no Leblon. Vive com alma de Bossa Nova. Um jeito solar. Alegre. Como sempre foi antes de entrar em um amor perdido. Um amor de fagulhas e cacos. Um amor não amado. Um amor apenas sentido no tato.

        Alicia quer mais do que ser pouco. Ela quer tudo. Ser tudo. Quer ser desejada. Ela quer ser amada, nem que seja por uma pessoa desconhecida e por saborosas horas em uma cama de motel. Quer beijos intermináveis. Quer olhares sedutores. Jogos de sedução. É isso que ela quer. Seja de dia ou à noite. Debaixo do sol, ou envolvida com uma chuva fina de fim de inverno. Não é só questão de sexo, mas de olhar, chegar, beber junto, dançar. Todas as etapas de uma deliciosa sedução de uma noite apenas.

        Um carro para. Tem duas pessoas lá dentro. Uma moça e um rapaz. Este abre a janela e colocando a cabeça pra fora da janela chama Alicia. Ela olha, sorri e nada diz. Ele anda um pouco mais com o carro e fala novamente com ela. Ela para e sorri.

        - Quer uma carona?

        - Pra onde você me levaria?

        - Para algum lugar interessante.

        - Você tem companhia aí no carro.

        - Somos pessoas sociáveis. Gostamos de sempre ter mais gente conosco.

        - E aonde seria o lugar para podermos conversar um pouco?

        - Conversas são coisas simples. Bastam alguns sins e tudo está esquematizado. Quer entrar?

        - Por que eu?

        - Como não parar o carro quando vejo uma Deusa?

        - Tudo bem, mas antes de qualquer coisa quero conversar com vocês em algum bar, algum lugar para saber exatamente o que desejam.

        - Desejamos você.

        - Isso eu já percebi. Mas que pedaço de mim vocês desejam?

        - Dos cabelos aos pés passando por todos os pontos.

        - Topo.

        A moça entra no banco de trás. Conversa com o rapaz e a moça. Esses se dizem namorados e que estavam querendo esquentar a relação com um ménage à trois. Ela sorri e fala que nunca fez. Eles falam que não tem problema. Ela diz que não é prostituta. Eles dizem que sabem disso.

        Chegando ao motel o rapaz dita as regras. Ele manda e elas obedecem. Primeiro diz que só quer assistir as duas juntas. Elas, a principio, ficam envergonhadas. Alicia acha tudo aquilo estranho. Nunca transou com pessoas desconhecidas. E até pensa em desistir. O rapaz percebe e se aproxima das duas e as beija e fala que vai ser divertido. E que sempre é interessante ter alguma aventura na vida.

        - Saulo, eu acho que não quero também. Sei lá. Você ficando com outra na minha frente.

        - Meu amor, vai ser bom. Você vai gostar.

        - Não. Eu não quero.

        - Oi. É Saulo o seu nome, então. Acho que se ela não quer, eu também não estou me sentindo a vontade. Acho que é melhor a gente ir embora.

        - Não. Foi difícil convencê-la a isso. Complicado achar uma mulher bonita, que não seja puta que topasse. E agora vocês querem desistir? Sempre quis transar com duas mulheres. Por favor. Hoje é meu aniversario. Dêem-me esse presentinho.

        - Olha, se quiser a gente vai pra uma boate. Algum lugar. Eu pago as entradas de presente de aniversario pra você.

        - Eu gostei da idéia. Estou morrendo de vontade de dançar.

        - Então, o que você acha?

        - Vamos embora logo, então. Que saco. Vocês mulheres não sabem o que querem.

        - Sabemos sim. E eu e a sua namorada não queremos isso. Então acaba por aqui.

        Eles saem de lá e vão pra uma boate no bairro onde mora Alicia. Eles dançam, se divertem. Bebem, conversam. Dão gargalhadas. Comemoram o aniversario daquele rapaz. Um estranho para Alicia, mas a vida é feita de pessoas estranhas também. Depois eles dão uma carona para a moça até seu prédio.

        Ela chega e vê a irmã dormindo no sofá, mostrando que ela ficou a esperando chegar da rua. Alicia se aproxima de Al e tenta a pegar sem acordá-la. Lógico que não dá certo, Al pesa mais do que Alicia. A irmã mais velha acorda e fala que ficou com medo de perder a irmãzinha. Elas se beijam no rosto e vão dormir na mesma cama, abraçadas.


***

Bruna

        Ela estava em seu quarto. Com pouca roupa. Alegre. No computador. Estava alegre. Vendo coisas interessantes. “Teclando” com algumas pessoas. Até seu irmão entrar no quarto e falar que tem uma pessoa na porta que não para de insistir.

        Ela tenta até levantar pra ir até lá ver quem é. Mas, Lívia entra no quarto, abraça Bruna e a beija. David fica quieto sem saber o que fazer e resolve sair do quarto da irmã e deixá-la resolver a situação.

        As duas se beijam. A jovem estudante de administração deixa se levar pelo o beijo. As duas já estão na cama. E o beijo não para. A respiração é cada vez mais profunda para pegar fôlego.

        - Pare com isso, Lívia.

        - Você estava gostando.

        - Você é bonita e gostosa. Quer o que? Mas eu não quero saber de você como amiga, muito menos como namorada, amante, sexo rapidinho. Nada. Nada, entendeu? Nada.

        - Não era isso que seu corpo dizia.

        - Pare. Estou saindo com outra. Não quero saber de você. Entenda isso. Sai de meu quarto, de minha casa. De minha vida.

        - Não vou desistir de você. Sou brasileira, e brasileira não desiste nunca.

        - Mas comigo você tem que desistir. Se não vou embora desse prédio, desse bairro, dessa cidade, desse país. Até me mudo de planeta.

        - Eu sempre consigo tudo que eu quero.

        - Pessoas não são coisas que você pode comprar. Sentimentos não são objetos que você coloca em sua estante. Você me magoou. Não dá. Eu tenho vontade de bater em você.

        - Bate então. Bate, por favor. Mas me dê a oportunidade de poder te amar. Te mostrar que tudo isso foi um erro por amor.

        - Você sempre foi minha amiga. Ficou com minha namorada. E diz que foi por amor. Você é sem noção. SAI!!!

        A menina com lágrimas nos olhos sai. Deixando novamente a Bruna com raiva. A tristeza e saudade estavam se transformando em apenas raiva. A coragem e ousadia de Lívia era algo que parou de ser divertido para Bruna. Todos os dias ela tentava alguma coisa. Buscava atrapalhar o momento que ela tem para buscar o perdão. Mas não, ela queria estar ali toda hora.

        Bruna senta e deixa suas lágrimas raivosas saírem de si. Tenta pensar em o que pode fazer para sair desse circo de palhaço vestido de negro. Ela não agüenta mais essa pressão. Lívia nunca foi tão insuportável como agora está sendo. Ela nunca foi tão atirada, como está agora. Mesmo que fosse tudo verdade o que sai de sua boca, não sairia vencedora de seu coração dessa forma. Com essas atitudes. A amizade acabou. E o amor nunca vai existir.

        Tudo que se passa por ela agora são somente raiva e desprezo. Todo esse pecado criado pelo jeito mimado de uma pessoa que já foi tão querida. Mas quando ela fecha os olhos não é a Lívia, e sua impulsividade, que ela vê. Nem os braços e abraços de confortáveis de Babi. Ela chora mesmo é por Cássia. Um amor que realmente acabou. Um jeito delicado que se combinava com ela. Alguém difícil de encontrar pelo o mundo. Sim, da Cássia Bruna sente falta. Uma falta que dói. Mas é de adeus o sabor das lágrimas.

        Sim. Dói. Ser traída é uma dor imensa. Mas e a dor da saudade? Essa dor não seria ainda maior? E o orgulho desesperado para se manter correto em suas convicções? Cássia até então não agiu da forma que Lívia anda agindo. Qual seria o motivo? Realmente não a ama? Está dando um tempo? O que seria?

        Elas se viram, se falaram um pouco. Mas a saudade do abraço. Dos beijos. Do carinho. Do “eu te amo”. Como dói a saudade.

        - Esquece essa pilantra, Bruna. Pense em outras coisas. Que você vai sair no sábado com um amigão. Que ficou com uma mulher linda. Esquece.

        No desespero de esquecer ela fecha os olhos e o sono vem a buscar. Ela vai de encontro a um novo amanhã. O cansaço é gigantesco. E ela só quer descansar.

***

Monise
       

        Solidão. Algo que tantos temem. Sofrem somente em ouvir falar seu nome. Em somente sentir seu cheiro, seu sabor. As pessoas mal sabem o quanto momentos com a solidão podem ser de alivio. Ser sozinho você pode pensar. Refletir. Com a solidão você se encontra. Você se grita. Percebe a sua alma e compreende seu reflexo. A solidão pode ser uma aliada, até uma grande amiga, se você souber admirá-la.

        Monise estava sempre encharcada da solidão. Porém a voz da dor vinha junto com esta para explicar certos sentidos. E a dor sempre é uma péssima conselheira. Ela faz você enxergar o contrario do universo. A dor transforma qualquer amor em raiva e ódio. A dor te faz cegar para um dia de Sol. A Dor é uma mulher de negro que te abraça e te põem para dormir dentro das lágrimas. Afoga-te no sufoco. A dor da alma é a dor que causa todas demais dores.

        Ela agora sai da alegria emprestada e volta ao seu mundo normal. A hora do sono chega e a tristeza vem junto. Sua cama é o berço de todo sofrimento. Sua boca cala. Seus olhos calam. Tudo fica no deserto do som.

        Deixa seu corpo entrar na profundeza. Seus olhos fechados. Sua boca meio aberta. Seus sonhos perdidos. Sua lembrança amedrontada. Segue o mundo. As estrelas. Os anjos que choram. A canção de ninar que nem se sabe de onde vem.

        Sim, Monise sabe que sofre de depressão. E depressão te faz se sentir a ultima das pessoas. Um ser inferior. Quase um inseto. Não, insetos têm venenos. Sabem se defender. O ser que sofre de depressão é ainda mais baixo que um inseto. Uma ameba humana. Algo sem valor. Se sente culpado. A culpa é o que mais dói. Culpa de se fazer sofrer. Fazer os outros sofrerem. E a culpa de Monise está dentro de seu mistério. A culpa está em sal alma. Entranhada em sua carne. Em seu cheiro e sabor.

        O coração, um músculo que tomou culpa de todos os sentimentos. Esse coração dela parece adormecer junto a todo resto dela. E o resto dela diz respeito ao seu espírito de menina. Ela só adormece no sentimento de ser. Agora ela se deixa ser quem não é. E quem ela é?

        A noite vai entrando. Vai se tornando eterno. A escuridão se perpetuando. A imensidão se tornando nome e sobrenome. A vontade sempre é de desistir. Deixar de existir. Não mais insistir. Ir… ir… ir…

        Rimar tudo que tiver. Rimas da vida. Do inconseqüente. Do incoerente. Rimas da tristeza. Dos rumos sem traços. Estradas sem acostamento em seus perigos de seguir na velocidade da felicidade. E a alegria é rápida, feito carro de corrida. Tem que acontecer logo. Tudo pra ontem. E o ontem. Esse é apenas uma mentira pra criar a idéia da felicidade que nunca mais vai existir. “Como eu era feliz e não sabia”. Monise segue no contrario dessa estrada.

        Fecha os olhos, menina. Durma. Menina do perigo. Em sua maldade boa. Em seu coração puro. Sua culpa descabida. Seus medos e sua coragem inversa. Durma, moça bonita. Sua juventude não será eterna. Mas essa noite será. As setas são sempre mal desenhadas. E quem sabe um dia nessa estrada você encontre o rumo de volta pra casa.

        Deixe seus olhos fechados. É a melhor forma de ver o mundo. Conhecer a sociedade. O mundo é malvado. Então se mantenha quieta. Finja de morta. Deixa a dor escorrer pelos os poros. A tristeza sair pelo queixo. A pele ficar rubra ao menos uma vez em uma timidez contente. Tente buscar a felicidade, mas de olhos vendados para tatear. O tato é a forma de amor mais honesta.

        As luzes lá fora enganam. Fazem de conta em serem estrelas. O neon das bocas e dedos. A batida que não é do grilo cantante. Semeando carvão. Colhendo graxa, petróleo. A farsa do vídeo de sonhos. A felicidade intacta das fotos de revista. Tudo isso que é marca da sociedade. Sim, tudo isso, corta a pele dos sensíveis. Dos amáveis. E todos se retiram da sociedade. Mas a sociedade não nos pertence? Ou a sociedade são os outros?

        As luzes entram no quarto da menina. Ela continua a dormir. Ela sorri em algum sonho? Ela abraça em sonho algum? E se joga. Penetra-se em vida. Vida… desvirtuada essa nos dias que são corridos. Os pés sujos são de lama e não de mata. As mãos cheiram a ganância, a sangue. E ela só quer ter mãos de fruta. De sabores doces.

        Todos querem ser adultos. E nem sabem encontrar a infância perdida em suas almas. E a violação disso tudo é a culpa. Uma infância cada vez mais madura. Ser adulto. Ser potente. Ser possível. E as crianças só querem brincar. Correr. Sujar os pés no chão. Subir nas árvores. E colher os frutos. Nem sabem elas que os frutos são elas mesmas. Cada vez que sobem em uma árvore e buscam a felicidade comível, eles se tornam mais alegres e mais ágeis.

        Ser feliz é ser menos homem e ser mais criança. Ser menos egoísta e ser mais solidário. E saber encostar-se ao céu de algodão. Comer fruto do pé. E ter seu pé no caminho de mais uma árvore da vida.

        Monise é ainda menina, mas a derrubaram da árvore. Impediram-na de pegar os frutos. E cortaram seus sonhos com a navalha fria da crueldade. Quem dá o ódio como semente colhe a morte. E a jovem morreu em seu coração de jovem. Dois anos de tristeza.

        Mas agora ela dorme… dorme… dorme. Apenas dorme. Feito um anjo dos floridos jardins.

***

Luciana


        Após desligar o telefone ela fica pensativa. Depois fica alegre, pois a moça na qual ela é apaixonada está viva. É complicado lidar com a homofobia, a falta de respeito. Muitas pessoas não entendem que homossexualismo é além do sexo. Todos acham que gostar do mesmo sexo está ligado apenas a promiscuidade. Nunca conseguem imaginar em suas mentes que há um amor além da cama.

        Uma relação entre dois homens e duas mulheres há mais companheirismo. Quem mais pode entender uma mulher do que outra mulher? Ou um homem do que uma pessoa igual? Pode parecer para quem não é algo entediante. Por que conviver com quem é igual a você? Não é bem assim, todos são diferentes. Mas toda mulher tem uma melhor amiga e todo homem tem seus parceiros. Ou seja, seria você conviver sempre com seus melhores amigos. Viver junto. Ir para cama. Fazer compras. Segurar na mão.

        E homofobia, além de preconceito, está ligada ao medo. Medo do diferente. Um medo humano que os transformam em hostis e cada vez mais animalesco. Agredir verbalmente ou fisicamente um homossexual, bissexual, transexual pelo o fato de pensar e agir diferente é apenas o medo de ser igual. Há pesquisas de uma universidade nos Estados Unidos que comprovam que heterossexuais homofóbicos geralmente negam essa excitação que tem com o mesmo sexo. Medo de que? De ser feliz diferente da maioria? Amor é um sentimento puro e se deve sentir por homens e mulheres. Não importa o sexo e sim a alma e caráter do individuo. O amor tem que ser livre. E os quem falam de amor ao próximo são os que mais deveriam ser contra o preconceito, porém, geralmente é o contrario. E agressões continuam. Em todo mundo.

        Luciana tem medo de ser agredida. Talvez esse seja mais um motivo de continuar com Gustavo. O medo do preconceito. Tem que ser muito corajoso para se assumir homossexual em um mundo que trata esses como marginais. A coragem de ser você mesmo e enfrentar com palavras e sabedoria seus sonhos e suas vontades.

      Ela respira. Tenta até sorrir. Ela é uma pessoa alegre. Liga no som uma musica que ela se vê tão em sua alma. Have You Ever Seen The Rain?” Do Creedence Clearwater Revival. Liga o computador. A respiração a cortava de medo. A vontade de gritar. E ela até esboça um grito, mas já é noite.

 

        No Messenger ela encontra a Babi online. E resolve chamar a atenção da moça.

Luciana:    - Mulher, você nem ligou. Aonde foi parar?

Babi:         - Eu estava em casa com a Bruna.

Luciana:    - Pegou ela?

Babi:         - Muito mesmo. Que gostosa é essa garota. Muito boa mesmo. E é fechadinha. Foi a primeira vez que ela ficou com alguém que não fosse a ex dela.

Luciana:    - Sério?

Babi:         - Muito sério. Me achei o máximo.

Luciana:    - Você sempre se acha.

Babi:         - Eu sempre tenho certeza. E o que você fez sem mim?

Luciana:    - Dei para o Gustavo e falei com a Julia.

Babi:         - Você dar para o Gu é normal, mas e a professora? Como ela está?

Luciana:    - Mais ou menos, ela foi comida por um homem que falou que se ela falasse algo ele iria atrás de mim.

Babi:         - É melhor você ter cuidado. Não ande sozinha. Esses homofóbicos são cruéis.

Luciana:    - Você também tem quer ter cuidado.

Babi:         - O cara que tentar fazer algo comigo é um cara morto.

Luciana:    - Eu nem sei o que fazer. Medo, raiva, nojo. Tudo junto. E sabe, eu gosto dela de verdade.

Babi:         - E o Gustavo?

Luciana:    - É amor.

Babi:         - Você quer todo mundo. A professora, o Gustavo. E aquela menina, a Monise?

Luciana:    - O que tem ela?

Babi:         - Você também a quer, não é?

Luciana:    - Ela é diferente. Não sei ainda o que quer.

Babi:         - Vamos ser sinceras. Você que não sabe o que quer.

Luciana:    - Lógico que sei. Mas são muitas coisas.

Babi:         - Amiga, acho que no fim da vida estaremos duas velhinhas sozinhas e daí nós teremos que nos contentar uma com a outra.

Luciana:    - Não jogue praga.

Babi:         - Não é praga. É algo que pode acontecer.

Luciana:    - Eu vou casar.

Babi:         - Casar com quem?

Luciana:    - Com o Gu.

Babi:         - E ter amantes?

Luciana:    - Talvez, eu não sei.

Babi:         - Tudo bem maluquete. Eu tenho que sair, aliás, você também, pois amanhã aula e já está bem tarde.

Luciana:    - Valeu. Beijos. Até amanhã.

Babi:         - Até.

        Luciana desliga o computador e troca a roupa e se joga na cama. O sono vem rápido. Ela envolta a escuridão e os sonhos e confusão. Mas ela é feliz assim. Felicidade não tem identidade. Apenas se é por ser.