sábado, 25 de dezembro de 2010

16º capítulo – “o avesso do avesso do avesso do avesso”


Catherine

Quando estiver sozinha
Escreva uma singela carta
Escreva para mim.
Quando o mundo te atormentar
Estarei aí dentro de você.
Escreva sobre seu amor.
Sobre suas tristezas.
Sobre seus pensamentos.
Sou seu amor não amado.
Sua pergunta entalada.
Então escreva
Tudo que sente.
Não deixe ninguém te desanimar.
Não deixe o mundo te jogar para baixo.
Eu sou mais um porquê
Mal explicado
Mas amado.

        Cat escreve inspirada em algo que ela não tem certeza que tem. Escreve porque necessita. Temos que jogar fora o que temos por dentro, que nos leva ser escravos. Somos seres sensíveis, mesmo que lutemos para criar uma carapaça para nos esconder. Um jeito frio e cruel. Somos atores de um cotidiano mascarado.

        Dentro da poesia cinza de cada dia, Catherine busca desculpas para encarar o Sol lá fora. A verdade é que viver só de sexo, só de diversão não é a real vida de ninguém. Às vezes ela até torce para que algo aconteça para ela não viver mais. Não é depressão. É cansaço. O que fazer para sair desse caminho vicioso? O que fazer para não sofrer por amor?

        Dentro de uma cidade tão grande. Um lugar tão belo que ela sempre sonhou em viver. Catherine busca inspiração para que seus dias sejam melhores. Mais do que uma companhia para a cama vazia, mas algo que aqueça seu coração. Às vezes sente falta de onde nasceu e viveu sua infância. Sente falta de sua mãe, a lembrança mais doce de uma mulher. Saudade de seu pai, que a quanto tempo já não o vira. Saudade de seus irmãos e primos. Vizinhos fofoqueiros e tudo mais de bom e ruim, que a trouxe até ali. Hoje ela tem a vida que sempre quis e descobriu que não era nada disso que queria.

        A manhã é uma noite ensolarada. Tudo pode acontecer em um mesmo dia. Ou em diversos dias. Basta querer. O problema é ter vontade de querer. Ir além do querer. E apenas querer. Querer ser feliz. Querer ser amada. Querer sorrir. Querer…

        A garrafa de vinho já havia terminado. Os cigarros também. A dor continuava. As duvidas da vida também. A vontade de gritar se enroscava em sua garganta. As lágrimas chegavam à beira dos olhos. Ela não entendia porque estava assim. Apenas estava.

        Não havia mais nenhuma droga em sua casa para Catherine pedir um falso socorro. Só tinha ela, papéis, canetas, instrumentos musicais e ela mesma. Tinha vontade de escrever mais. Vontade de colocar uma carta em uma garrafa pedindo socorro além daquela ilha de momentos tortuosos.

        Ela corre ao banheiro. Tenta vomitar. Não consegue. Tenta se olhar no espelho. Não consegue. Lava o rosto com a fúria de uma mulher em brasas. Senta no chão e chora. Chora como uma criança com saudade da mãe. Chora em busca do “eu” perdido dela.

        Ela escuta um barulho. É a campainha. Ela agora terá que ter força para levantar, vestir sua mascara de mulher fatal e tentar atender.


***

Alicia

        Alicia chega a seu atelier, conversa com a mãe e alguns empregados e sai de imediato. Sente a conversa da irmã em seu corpo. E acelera o carro. Quer fazer uma loucura hoje. Quer estar perto da felicidade mais um dia. Perto da vontade de enlouquecer. De correr. De ser mais menina, mais criança. A sua suave timidez, que tanto encanta as pessoas, ela resolveu deixar dentro do armário. Hoje queria ter na alma e pele a fome de uma pantera.

Chega a um prédio de aparência antiga. Sobe todos os degraus correndo. Seu sorriso era encantador. Parecia que tinha só para si todo o contentamento do universo. Quando chegou na porta desejada estava cansada e transpirava. Respirava para pegar fôlego e fazer o que estava para fazer.
Parou por alguns minutos para tentar ver o que iria falar. Pensou em algumas desculpas. Falar que acha que perdeu um brinco na casa dela. Ou que estava passando por lá e que queria ver se estava bem, porque estava sem telefone. Ou, melhor, pedir para ela tocar em algum evento de arte que ela está planejando. E olha que nem está planejando nada. Mas não deixa de ser uma boa idéia. Sim, será essa a desculpa a ser dada. Ou todas juntas. Ou nenhuma. Assim que a porta se abrir ela roubar um beijo típico de cinema.

Ela senta e tenta descansar e voltar a si. Mas a empolgação a impede disso. A ansiedade a impede disso. Quer mostrar para ela mesma que pode ter um caso com alguém. Que pode ter apenas uma transa e mais nada. Quer mostrar que não precisa de Vanessa para ser feliz. Que é uma mulher linda e desejada. Que pode ter a mulher que quiser. E se quiser ficar com homem, também poderá ter o homem que quiser.

É isso. Esse é o plano. Ficar com todos os homens e mulheres que pudesse encontrar. Todos que a desejassem. Até lembrou do Marco. Quem sabe ainda aproveita daquele corpo de homem.

Falta pouco para a coragem voltar e ela tocar a campainha.

Ela resolve fazer uma contagem regressiva.

10

9

8

7

6

5

4

3

2

1

Alicia toca a campainha de Catherine.

***

Alicia e Catherine

        Catherine está aflita.
       
        Alicia está sedenta.

        Catherine está assustada com a vida.

        Alicia resolveu ligar o “dane-se” para a vida e tentar ser feliz.

        Catherine sente falta do que ela nem sabe bem o que é.

        Alicia só quer esquecer.

        Catherine atende a porta, já com olhar confiante de sempre. Alicia a sorri, aperta sua mão e entra mesmo sem ser convidada. Catherine fecha a porta. O silêncio é por pouco tempo.

        - Quis te ver.

        - Estive pensando em você.

        - Como é engraçado. Eu também.

        - Pois é. Quer sentar?

        - Aceito.

        - Quer alguma coisa? Água, suco? Sei lá. Qualquer coisa eu posso pedir alguma coisa por telefone.

        - Não precisa. O que eu quero você tem aqui.

        - O que?

        - Bem. É. Você.

        - Ahm?

        - O seu talento. Assim. Acho que esqueci meu brinco aqui. Não. É que passei aqui e quis vir te ver. De verdade. Bem…

        - …?

        - Estou para realizar um evento. Vou fazer uma exposição de artes. E queria saber se você não gostaria de tocar.

        - É isso?

        - Sim. É. Eu quero o seu talento como meu aliado.

        - Tudo bem. Quando vai ser?

        - Bem. Ainda não sei direito. Tenho que ver direito. Assim.

        - Bem, você veio aqui para me chamar para um evento que você não sabe bem o que é, nem quando vai ser.  Certo?

        - Eu não sei o que acontece, mas perto de você fico meio boba.

        - Você fica linda assim com o rosto vermelhinho.

        - Assim você me deixa ainda mais sem graça.

        - Desculpe, não foi minha intenção.

        - Sabe, estive conversando com a minha irmã. Ela foi morar lá em casa. E está pegando no meu pé.

        - Com o que?

        - Para eu ser feliz.

        - Isso é bem importante.

        - Sim. E ela queria que eu ligasse para você.

        - Ela não é casada?

        - Era, mas não é para ela. É pra mim, entende?

        - O que tem a ver sua felicidade com uma ligação para mim?

        - Isso…

        Alicia agarra Catherine e a beija. De verdade foi apenas um selinho. Ela depois se levanta. Catherine fica a olhando sem saber que reação ter.

        - Desculpe. É. Você é linda e eu tenho vontade de te conhecer mais.

        - Entendo. Você que é linda.

        - Ai. Acho que vou embora.

        Catherine a levanta e segura seu braço e a beija. Um beijo não só de desejo, mas de carinho. Um beijo diferente dos que ela tenha dado nas ultimas mulheres em que beijou. Um beijo demorado. Um beijo sem pegar na bunda. Um beijo de mãos dadas.

        Após o beijo bem dado, Alicia sorri timidamente e sai do apartamento de Catherine que fica sem entender o que aconteceu. E Alicia entra no carro sem saber o que pensar. Um medo de alguma coisa tomou conta das duas.


***

Bruna

        Bruna resolve que só por hoje vai esquecer de tudo isso. Ela desiste e não entra em seu prédio. Vai para a praia. Toma banho de mar apenas de calcinha e sutiã, volta a vestir a roupa, fica toda encharcada com sua blusa branca, aparecendo um pouco os seios. Vai para um bar onde estava tendo uma roda de samba. Senta com os sambistas e canta. Bebe. Come. Começa a conversar. A criar junto com eles. Muitos se sentiram seduzidos por aquela moça molhada de mar. Ela sorria. Esbanjava sedução. E depois agradece a música e a companhia e sai de lá.

        Sai como fosse uma louca. Chega de tudo isso que a faz triste. Quer ser feliz. Toda mulher tem direito inconstitucional de ser feliz. Ela come qualquer coisa em cada bar que entra. Bebe toda bebida que a oferecem. E sai solta. Bicho louco sem rumo. Se soltar daquela prisão de boa menina, boa filha, boa irmã, boa amiga e principalmente, boa namorada. Não quer saber de mais nada. Quer enlouquecer.

Encontra Babi na rua indo para sua casa. Dança com ela um samba no silêncio. Ela cantarola e dança com a jovem que curti a loucura e entra na brincadeira. Começam a cantar e a dançar. A sambar. Bruna beija a parceira de dança. A cumprimenta com gestos e olhares. E diz que hoje ela é da rua, do mundo. Que não voltaria para casa antes de aprender a ser feliz sem aquele velho mundo.

Estava vendo a vida com outros olhos. Nem que seja por minutos, por horas. O importante é reacender seu jeito menina louca. Toda mulher tem um lado completamente alucinado dentro de si, porém, quando usado, pode não ter mais volta. E assim que ela se sente. Alucinada. Como se Ligia e Cássia nunca tivessem existido. Vivia como se estivesse sonhando. Saindo daquela armadilha que é a vida condicionada.

Mesmo que entre em uma espiral suicida. Mesmo que saia com todas as mulheres do mundo. Mesmo que se drogue, se abuse, se esqueça. Ela necessita fazer qualquer coisa para tirar tudo de ruim de sua vida. Tudo que a magoa, que a joga para baixo. A vontade dela é viajar para algum lugar que elas não existam. E nada melhor que um mundo louco. Na loucura não existe aquela vida que estava habituada.

Babi ficava ali, olhando, com um sorriso malicioso em seu rosto a atitude da pretendente a amante. Ela resolve convidar a jovem para ir a sua casa, trocar de roupa. Fala que vai jogar vôlei com a Luciana depois do almoço. A convida para almoçar. Bruna aceita o convite de ir até lá, mas não para comer. Já havia beliscado. Bárbara insiste até chegarem a sua casa. As duas almoçam. Conversam alegremente.

Na casa só tinha as duas. Bruna fica nua na frente da Bárbara. E a chama usando apenas um dedo. A estudante de ensino médio resolve se afogar naquele desejo. Naquele perigo que hoje atendia pelo nome da suave Bruna. E elas transam. Com força, violência do desejo daqueles corpos. O corpo ainda salgado de Bruna atiça ainda mais os desejos de Babi. Elas se querem, nem que seja apenas por um momento. Somente para uma transa. Elas se querem.

Após o ato, as duas nuas correm pelo quarto de Bárbara em uma brincadeira de gato e rato, para recomeçar. E elas se agarram e se penetram. E gritam e gemem. Deixa aquela cama de solteiro em chamas. São bocas, dedos, língua e fome de sexo.

Bárbara pega uma garrafa de uísque de seus pais. E as duas tomam. Fazem careta. Riem. Bruna joga um pouco no corpo de Bárbara e toma assim aquela bebida. Espalhada naquele corpo, lindo, nu. Era uma entrega de dois corpos. Não havia amor, nem cobrança. Apenas sexo. E diversão é necessário dentro de uma busca de felicidade, na qual se deve romper com o que lhe incomodava antes.

***

Monise

        Qual é o avesso da depressão? Pois é. Nesse dia em que parece que os papeis se inverteram, o de Monise não seria diferente. Ela que busca a morte, que está sempre entregue ao desespero, se desliga um momento de sua dor angustiada. E resolve cantar. Resolve se divertir. Sim, Monise está se sentindo feliz. Que dia diferente.

        Começa a escutar “Gatas Extraordinárias” cantada por Cássia Eller. E vai se entregando a esse som envolvente. Jeito de menina levada. Parece que a alegria e loucura de Luciana passaram para ela como se fosse um vírus transmitido por beijo roubado. Ela quer pegar a vida à unha nesse momento. Tem que se aproveitar cada gota de insanidade.

        E a música troca. “Pro dia nascer feliz”. Que canção mais apropriada para o momento. Nadar contra a corrente. E ser feliz.

        Ela começa a pular. A cantar. A gritar. A ficar rouca. E sua mãe corre a seu quarto para ver o que está acontecendo, e a filha a convida para entrar naquela dança solta. E a música troca em seu computador. Mas o ritmo continua agitado. E dançam. E cantam. Mãe e filha começam a suar. Rebolar até ao chão só para rir depois.

        A mãe se diverte e diz que tem que ir. Sua filha pergunta se pode faltar a terapia hoje. E a mãe permite. Desde que ela continue alegre daquela forma. Monise prometeu que ficaria feliz o dia inteiro. Sua mãe enxugou o suor que se confundia com lágrimas de alegria. E beijou sua filha. A abraçou. Fez cócegas. Aquela era a sua filha. Ela sempre foi alegre assim. Parece que tudo de ruim tinha ido embora.

        Agora, sozinha, Monise começa a escutar samba. Sim. Samba. Jorge Aragão. Gente que gosta de boa música escuta de tudo. E começa a sambar. A dançar devagarzinho. Pega o travesseiro e o faz de parceiro de dança. De loucura.

        Quer aproveitar cada instante enquanto a loucura corre em suas veias. Enquanto aquele doce vírus que a contaminou está ali. O vírus da alegria. Pensou com carinho em Luciana e reviveu cada segundo daquele beijo roubado. Tanto tempo que não sabia o quer era um beijo. Ainda mais daquele jeito. Não é caso para amar, mas para aproveitar a alegria.

        Se você está triste. Deprimido. Infeliz. Viva um dia de loucura. Faça tudo que você nunca teve coragem. Essa é a forma mais saborosa para se reencontrar. Talvez para se descobrir deve ir até o final do labirinto. E hoje é o dia em que a Monise foi até o fim. Da onde? Não sabe bem, mas foi. Apenas foi.

***

Luciana

        Luciana entra em sua casa. Não quer comer. Não quer conversar. Não quer beber. Quer apenas seu quarto. Seu silêncio e pensamentos. Alimenta-se de uma breve lembrança. Depois inúmeras lembranças começam a fundir em sua mente. Lembra de sua professora Julia e pensa em Monise. Tem como se apaixonar por duas pessoas?

        Ela deita em sua cama. Sofre com o possível sofrimento das duas mulheres que povoaram sua mente. Monise e sua dor interminável. Julia que foi condenada por seu desejo desenfreado. Sofre porque seu coração é bom.

        Ela não quer estudar. Não quer levantar. Não quer fazer nada. Apenas sofrer. Diferente da Luciana de todos os dias. Ela está em um momento difícil. Parece que a loucura e alegria de Luciana ficaram mesmo com Monise. Uma transfusão de sentidos e sentimentos. Sentiu vontade de amar Monise. Mas também quer ainda a professora. Lembrou de Gustavo, o seu namorado.

        - Por que eu ainda o engano? Acho que em breve não poderei mais ficar assim. Gosto dele. Sinto-me bem e segura ao seu lado. Mas, minha vida pertence às mulheres.

        Pensou em ligar para terminar com ele. Mas não teve coragem. Não quer magoar quem esteve sempre ao seu lado. E agora o que sente são apenas destroços de amor. Pingos de paixão. Talvez algo mais fraternal do que outro sentimento. Beijar Gustavo é tão estranho como beijasse um irmão.

        E ela pensa naquele jeito frágil de Monise. Aqueles cabelos. A tatuagem e piercing. Aquela boca. A tristeza em seus olhos, mesmo quando vê que está contente.

       


- Essa menina guarda alguma coisa. Ainda descubro. E Julia? Será que está bem? E eu? Será que estou bem? E se ela foi estuprada? Sentirei-me tão abusada como ela. E se tiver morrido? Sentirei-me tão morta como ela. Se ela estiver triste, ficarei triste também. Meu Deus, como alguém pode pensar em tantas mulheres como eu? Tudo bem que são apenas duas, o Gustavo é delicado, mas não é mulher.

        Respira. Inspira. Respira. Inspira. Respira. Inspira. O dia parece que não nasceu. Parece que tudo virou de cabeça para baixo. Respira. Inspira. Respira. Inspira. Os pensamentos na velocidade de uma dança desconexa. Respira. Inspira. Respira. Inspira. Saudade de alguma coisa que lhe aperta o peito, a alma. Respira. Inspira. Respira. Inspira. O choro querendo correr. A vontade de correr. De sumir. De perguntar. De saber. Respira. Inspira. Respira. Inspira.

        - Estranho, Até agora a Babi não deu sinal de vida.

        Respira. Inspira. Respira. Inspira. Que mundo é esse, na qual tudo parece invertido? Respira. Inspira. Respira. Inspira. Aonde vai a vida? Aonde vai a sina? Preciso de um gole de qualquer coisa. Respira. Inspira. Respira. Inspira. Deixa ir. Deixa voar. Pensamentos loucos. Esquizofrênicos. Sentimentos. Respira. Inspira. Respira. Inspira.

        Luciana resolve ficar em casa. Bárbara não liga, nem aparece. Nada. E Luciana quer só a cama de companhia.

Respira. Inspira. Respira. Inspira. Respira. Inspira. Respira. Inspira. Respira. Inspira. Respira. Inspira. Respira. Inspira. Respira. Inspira. Respira. Inspira. Respira. Inspira.





Um comentário:

Lilith disse...

hoje eu senti uma luciana bem diferente, foi como se ela pudesse ter consciência, coisa que nunca tinha notado nela até hoje. continue andy e não pare!! =)