Catherine
O táxi chega à frente do prédio onde mora. É um local simples, com apartamentos de um quarto, onde ela aluga um no quinto andar. Tem um elevador que assusta os marinheiros de primeira viagem. Ele faz barulho. É antigo. Tem gente que prefere subir de escada. Até mesmo morados que habitam o sétimo (e último) andar. Mas, Catherine não vê um grande problema em o elevador cair com ela. O máximo que poderia acontecer é se assustar um pouco. E a vida dela por si só já é mais assustadora que um elevador velho.
O apartamento de Cat é a cara dela. Nada sofisticado, mas no fundo tem aquele ar de sedutor. Ali poderia morar qualquer homem jovem, que não acharia estranho. Ela nunca teve preocupação com muita limpeza. De quinze em quinze dias chama uma diarista para arrumar o que ela suja em três. Lá tem uma cozinha, nem grande, nem pequena, apenas estreita. Com um tamanho suficiente para dois armários, onde guardavam pratos, talheres, panelas, potes de microondas e freezer; e outro onde tem os suprimentos, coisas como arroz, feijão, macarrão, miojo (vários), farinha, açúcar, óleo, azeite, dentre outras coisas. Também um Freezer, onde guardava a comida para a semana toda em seus potes. Geladeira onde tem bebidas, carnes, congelados e queijos. E um microondas, onde ela esquenta o que está nos potes dentro do freezer.
A sala tem uma rede, televisão, almofadas, um sofá-cama, amplificadores, guitarras, um teclado, microfones, cordas de violão e guitarra e outras coisas para o seu trabalho. Em seu quarto há uma cama grande, armário e dois criados mudos. Um de cada lado da cama. Em uma ela guarda o livro que ela estiver lendo. E do outro: camisinhas, luvas de látex e KY. Ela tem dois acessórios (conhecido por dildo, ou brinquedinho), mas gosta de ter dois, pois se acaso um estragar, ela ainda tem o outro de emergência. Mas os dois,quando ela não está usando, ficam em um determinado lugar dentro do armário, de forma que a diarista não veja. Não era nem por vergonha, ou medo de discriminação, mas sim por respeito.
Naquela noite, antes de Cat subir ao seu apartamento, jogar suas coisas na sala e ir à cozinha, comer algo, ouvir musica e dormir, aparece uma figura feminina que estava ali em frente ao seu prédio há certo tempo. Ela estava com um vestido curto e vermelho. Uma lingerie preto e pequeno. Um perfume gostoso e batom vermelho na boca. Uma maquiagem que deixava a tal moça com um ar misterioso e ao mesmo tempo atraente. Em cima de um salto quinze, ela sai de seu carro em direção de Cat. Seu nome é Priscila. Elas já se conheciam de outros carnavais. Catherine a conheceu em uma boate. Viu a morena dançar. Chegou perto, flertou com ela e pouco tempo depois estavam no carro de Priscila transando. E agora, depois de uma noite completamente atípica, aquela deusa estava ali, querendo repetir a dose.
Ela trabalhou, cantou uma musica que ama, transou com a patroa, foi pega pelo marido da possível falecida, escapou de uma possível morte, conheceu garotas diferentes, com problemas diferentes. Tudo em uma noite só. E agora, Priscila estava ali, com um olhar de quem quer ser devorada. Seria uma noite sem fim. A dama de vermelho se aproximou, passou a mão no rosto de Cat e começou a falar com uma voz macia.
- Senti saudade de você.
Catherine, já com seu inesquecível sorriso no rosto, olha para ela, toca na mão que está em seu rosto. E a outra mão ela aperta a bolsa do violão.
- Quer matar esta saudade?
Elas sobem para o apartamento. Ainda bem que a diarista esteve no dia anterior. A casa ainda estava arrumada. Ela jogou suas coisas na sala e foi levando, aos beijos, aquela mulher para o quarto. Elas sabiam a única coisa que as interessava. Não precisavam conversar, perguntar sobre o dia, ou qual era o prato preferido uma da outra. Elas só queriam sexo. E não qualquer sexo. Priscila procurou a Catherine porque queria um bom sexo. Aliás, ótimo sexo.
Catherine beija a orelha de Priscila. O que a deixa ainda mais excitada. Passa a mão em sua bundinha empinada e durinha de academia. Elas vão se apertando, se sentindo, se rasgando. O vestido de Priscila já havia ficado pelo chão da sala. Catherine naquele dia não estava com o seu acessório. E não precisava. Suas mãos grandes e dedos compridos já faziam qualquer mulher ter inúmeros orgasmos. Não cansava. Não parava. Qualquer mulher que a conhecesse no seu intimo, mesmo que fosse a maior das heterossexuais, acabariam se curvando àquela garota.
Os beijos ao longo do caminho da sala até o quarto foram ficando mais ardentes, mais picantes. Cat encostava aquela mulher na parede, beijava o pescoço, mordia de leve seus lábios e a orelha. As roupas iam caindo e mostrando a nudez dessas duas amantes. Uma cena sexy, que se alguém pudesse virar mosquito e assistir, com certeza não esqueceria. O calor não estava apenas no corpo das duas. Todo ambiente estava quente. Quente do fogo do desejo. Nunca se viu aquele trajeto curto ser tão grande. Mas elas chegaram lá. Agora estavam ambas nuas. Em cima da cama. Priscila se deitou primeiro, sorriu e esperou que Catherine deitasse por cima. Mas ela não deitou. Chegou com a boca e língua entre as suas pernas. A sua língua entrava dentro dela. Com a boca chupava carinhosamente. Priscila gemia de um jeito enlouquecedor. O que aumentava a excitação de Catherine. Que continuou ali por mais dez minutos, sem parar. Passava a mão nas pernas, barriga e seios.
Quando acabou o sexo oral, Cat beijou a boca de Priscila. Como se quisesse compartilhar o gosto que tinha em sua boca. Ela chupava seus seios. Fazia carinhos neles também. Pegou uma camisinha e vestiu seus dedos. E colocou dentro de Priscila. Esta já não parava de gemer. E o calor de seus corpos estava ainda mais intenso. Elas transpiravam. Enlouqueciam. Horas de puro sexo se passavam. Priscila é completamente passiva em suas relações sexuais. O que Catherine gostava. Adorava ficar ouvindo gemidos femininos e sentir que elas gozaram.
Até que Priscila já estava exausta. E Cat também se cansou. Precisava dormir um pouco, pois aquela noite estava longa demais. Uma noite de sono iria repor as energias físicas, principalmente, mentais. Talvez.
Já raiava o sol em seus primeiros momentos e Catherine abriu os olhos e viu Carla sentada na sua cama. Acreditou que estivesse ainda dormindo. Aquilo só podia ser uma miragem. Na cabeça de Catherine, Carla estava morta. Não conseguia pensar em algo que não fosse isso. Mas agora, aquela que julgava em um outro mundo, estava ali sentada na sua cama. Viu Priscila deitada, dormindo o sono dos justos. Carla chegou perto de Cat e a beijou. E continuou a beijá-la. Já estava quase deitava em cima do corpo nu e exausto daquela moça. De repente um barulho de tiro ao longe. Carla larga Catherine e se vê sangrando e cai. Cat olha para o seu próprio corpo e repara no vermelho. Ela também sangrava. A bala atravessou Carla e acertara. Estava sentindo dor. Estava morrendo. A sua cama toda estava vermelha. Ela fechou os olhos e gritou.
- NÃO!!!
Priscila acordou assustada. Catherine estava sentada de olhos fechados ao seu lado. A tal dama de vermelho a sacudiu. Estava banhada de suor. Mas estava viva. Foi apenas um pesadelo. Um terrível pesadelo. Priscila ficou preocupada com a situação de sua amante. As duas tomaram banho juntas. Aliás, Priscila deu banho em Catherine. Ela ainda estava muito assustada. Depois de vestidas um selinho e adeus. Priscila foi embora. Aquela noite havia se estendido demais. Quando se trata de sexo, tem que ser aquilo e adeus. Um dia seguinte pode acarretar situações que pode mudar a sua vida para sempre.
Catherine ficou em casa. Não conseguia fazer nada. Pensou em ligar para a boate para saber de Carla, mas não teve coragem. Iria dar uma aula particular de violão só pela tarde. Aquela manhã estava tranqüila. Estaria tranqüila, se não fosse a noite anterior e o pesadelo. Pensou em ligar pra alguém só para conversar, mas resolveu ficar sozinha.
***
Alicia
Chegou a sua casa vazia. Sempre esteve vazia. Morava sozinha. Às vezes Vanessa ia lá. Até dormia, mas não era sempre. Recebia alguns poucos e bons amigos. Tomavam cerveja, jogava uma partida de baralho. Falavam de artes, futebol, cinema, amor. Mas aquela casa sempre foi vazia. Mas hoje, naquela noite, a solidão da casa transbordava pelas janelas, saía pelas portas, entrava nela, ela, Alicia. Não sabia o que sentia. Desabafar seu problema foi interessante, mas ele estava ali presente, naquele apartamento vazio. Aliás, ela percebeu, ao entrar no quarto que não estava tão vazio. Ainda tinha aquela escultura. A maior prova de amor, loucura e paixão (se esses não forem sinônimos). Ela sentiu todos os sentimentos que o mundo inventara ao rever aquela escultura. Tão linda, delicada e sexy. E como, se toda a loucura do amor da paixão e do ódio, tomasse conta dela, pegou aquela peça e jogou no chão com toda a sua força, quebrando assim Vanessa. Era uma escultura que havia se partido, mas era como se Alicia pudesse retribuir a sua dor a Vanessa com o seu gesto. Talvez a tal ex-namorada (como às vezes é triste dizer isso, ex) pudesse ver e sentir seus pedaços pelo chão.
Estavam quites. As duas estavam em mil pedaços. A estátua e Alicia.
Foi na cozinha, pegou um copo d’água. E bebeu outro e outro e outro. Mas não era água que ela queria. Não era sede que ela tinha. Ela nem sabia o que tinha de fato. Era amor? Paixão? Ódio? Loucura? Ou tudo isso junto, batido em uma espécie de milk shake perverso. Andou pela sala. Não sabia se deveria dormir. E se sonhasse com a Vanessa? Mas acordada ela também pensaria nela. Mas no sonho tudo é de mentira. Poderia sonhar com beijos amorosos daquela que disse que amava outro.
- Eu juro que escutei que ela me amava.
Falar sozinha não é o ato mais louco do mundo. Mas também não é o mais são. Mas ela precisava disso. Conversar com ela mesma. Discutir o assunto várias vezes. Até um dia digerir e seguir adiante.
- O que faz essa garota ser tão importante? A beleza? Eu conheço outras tão bonitas ou mais do que ela. Amor? Ela só me rasgou com as suas palavras. Sexo? Até eu sei me fazer gozar. O que ela tem, meu Deus, que eu não consigo esquecer essa diaba?
Lógico que ela não iria esquecer Vanessa de uma hora para outra. Nem com todas as doses do mundo. Nem com a pior amnésia, alcoólica ou não alcoólica. Quem no mundo não desejou perder parte da memória para esquecer alguma coisa, ou alguém? Nisso que Alicia pensava. E se bater a cabeça bem forte na parede? Será que dá amnésia? Ela só pensou, não cometeu o ato.
Já estava ficando com sono, mas estava muito agitada para dormir. Foi na cozinha e pegou mais um copo d’água. É uma mania dela. Sempre que fica muito nervosa, bebe bastante água. Ela colocou a mão no bolso. Era o celular que estava vibrando. Nem reparara nisso. Fazia muito tempo que tentavam ligar para ela e não conseguiam. Ela nem olhou o número. Apenas desligou e foi dormir. Ou tentar. Levantou mais uma vez, foi até a sala novamente. Queria fazer alguma coisa. Colocar pra fora aquilo. Não queria mais chorar, mas queria ver sair aquele veneno de sua alma. Pegou uma folha de papel e uma caneta. Desde a adolescência que não escrevia versos. Mas teve uma vontade imensa de escrever um poema…
...
Do silêncio a magoa
Tristeza e raiva.
O tempo que não passa no sono.
E a vontade de gritar que amo.
E as palavras de ódio no meio.
E tantos devaneios,
Loucuras de um estúpido coração.
E passa o tempo.
Sem respostas, nem algum vento
Que traga seu nome,
Seu vulto, seu cheiro.
Ou quem sabe, alguma outra dor.
E fico esperando
Ensaio palavras que choram
Em meus olhos que se calam
E é apenas algo com uma palavra
E tudo se vai.
Acaba-se com a vaidade,
Pois nasço e morro saudade.
Depois dessas palavras o sono começara a tomar conta de sua mente e de seu corpo. Ouviu seu telefone fixo chamar. Não queria atender. Caiu na secretária eletrônica:
- Alicia. Você está bem? Aqui é a Vanessa. Eu não queria que você fosse embora daquele jeito. Desculpa-me. Eu não sei se você viu o João Pedro. Ele foi lá sem eu saber. Falou que queria ter certeza que eu ia terminar com você. Você viu o beijo, né? Eu vi quando você virou. Desculpa-me mesmo. Eu tenho carinho por você, mas ele é diferente. Entende? Que bobagem que estou falando. Nem eu entendo. Você não está aí, né? Vou desligar. Desculpa de novo. Vamos nos encontrar algum dia desses para tomar uma cerveja. Eu sei que você só toma água tônica, mas podemos sair. De verdade, eu nem sei por que eu te liguei. Estou tentando falar com você a noite toda. Eu acho que só queria ouvir a sua voz, nem que fosse pela a última vez. Beijos. Até mais. Me ligue.
Alicia já estava dormindo. E não ouviu nada. Ela dormiu mais que o de costume. Acordou o seu relógio marcava nove e meia da manhã. Decidiu que não iria para a loja. Ligou e explicou para mãe. De verdade deu uma desculpa. Falou qualquer coisa ligada a garganta que estava doendo. Queria ficar sozinha. Desgravou a mensagem da secretária eletrônica sem escutar. Não interessava quem tinha ligado.
Pensou em ligar para alguém. Mas quem? Não tinha coragem de falar com ninguém naquele momento. Pegou o telefone das meninas estranhas que conhecera na noite passada. Escolheu a Luciana. Era engraçada. Mas, ela não queria rir. E a Bruna? Não. Imagina duas cornas juntas. Seriam muitas lágrimas para um lugar só. Pensou em Cat e Monise. Mas desistiu. Resolveu ficar sozinha. A solidão às vezes é a melhor companhia.
***
Bruna
Chegou naquele prédio, querendo voltar para a rua. Pensou na preocupação de seus pais. Resolveu encarar aquele mundo de frente. Não adianta mais fugir. Quando se foge dos problemas, eles correm atrás. Ela respirou fundo e apertou o botão do elevador. Naquela hora não teria mais surpresas. Entrou no elevador. Subiu. Olhava para o teto. E às vezes sorria ao lembrar das novas amigas que conquistara em um bar. Como poderia aquilo. Cinco mulheres diferentes, com problemas variados, que acabaram se conhecendo porque cansaram e entraram naquele bar. Destino? Não sabia se acreditava em destino ou brincadeiras do acaso. Às vezes pensava se Deus existe de verdade. Se foi Ele que fez os homens a sua imagem e semelhança ou se o contrario é o mais valido.
Pegou a chave de casa no bolso esquerdo de trás de sua calça jeans preta. Queria dormir. O travesseiro, em muitas das vezes é o melhor conselheiro. Quando ela entrou, seus pais perguntaram onde ela estava e porque demorou tanto. Ela respondeu que estava com amigas, conversando e que perdeu a hora. E que estava com sono. Não queria falar agora. E depois conversava com eles. A sua mãe disse, olhando para a televisão, que Cássia tinha ido lá perguntar dela. Bruna disse que estava com outras amigas. E que depois liga para Cássia. Ela mentiu. As últimas pessoas que ela queria ver na sua frente era Cássia e Lígia.
Não comeu nada. Escovou os dentes. Tomou um banho quente e demorado. Queria se sentir aquecida. Quando a tristeza bate, o frio vem junto, como se fosse um pacote promocional. Leve a tristeza e grátis o frio da alma. Deixava a água percorrer pelo o corpo. Batia em sua cabeça, passava pelo rosto, feito lágrimas, chegava aos seios, barriga, nádegas, pernas e acabava em seus pés. Mais que um banho, parecia que aquela água jogava fora todo aquele nojo e a ânsia que sentiu ao ver as duas juntas. Aquela cena com certeza ficaria mais tempo que desejava em sua mente.
Desligou o chuveiro, pegou o roupão e a toalha. Foi para seu quarto daquela forma. Secou melhor os cabelos usando apenas a toalha. Nem sempre gostava de dormir com os cabelos molhados. Ao acordar eles estavam ruins de pentear e, inevitavelmente, a sua garganta estava doendo um pouco. Tirou o roupão e deitou nua em sua cama. Pensou em ler algo antes de dormir, antes de se vestir. Antes… não teve antes. O sono a golpeou. Estava dormindo. E era um belo corpo, nu, na cama. Ela sempre foi muito bonita. Até mesmo triste. Até mesmo chorando. Até mesmo dormindo, ou ao acordar. Quando ela ia para a praia com Cássia, a, então, ex-namorada ficava com ciúmes dos olhares dos homens másculos, das palavras que eles diziam e as cantadas que a sua menina recebia. Sabia que não seria traída, pelo menos não com um homem, mas se sentia irritada. Pois, aquele corpo, rosto, seios, mãos, braços e todo o resto, era dela. Somente dela.
Era. Agora não é mais. E nunca mais seria. Uma coisa que Bruna detesta e não perdoa é a traição. Como poderia perdoar uma coisa dessa magnitude? Como uma pessoa que diz que ama que não saberia viver sem a outra pode vir a ser encontrada nos braços de outra. Quando se é adolescente, tudo parece ser o último, o eterno. Mas o eterno teima durar muito menos que se espera. O verão do amor acabou. E agora só resta o frio.
As horas se passaram, tão depressa. E chegou às nove horas da manhã, com o sol em seu rosto, Bruna acorda. Abre lentamente os olhos. Aquele corpo ainda estava nu. Não acreditava que acordara tão cedo em um sábado. Acordou não só por causa do sol, mas, sempre que sente alguém a observar, acorda. Pode ser a hora que for. Ela acorda. Quando ela reparou nisso, abriu os olhos de forma assustada. E realmente tinha alguém ali. Lígia.
Bruna pensou que ainda estava sonhando e aquilo era um pesadelo. Ligia estava ali.
Não teve tempo de falar nada. Ligia, deparada com tanta beleza nua beijou a amiga. Um beijo que não se dá pra recusar. Mas Bruna ainda estava magoada. E talvez ficasse para sempre com aquela magoa. Poderia viver outros amores, ter mil amigas, mas sempre que encontrasse com Cássia ou Ligia, ou algo que fizesse lembrar delas, a magoa gritaria dentro dela. Não há perdão. Mas o ato de Ligia assustou a menina. Nunca imaginou ser beijada pela amiga. E também nunca imaginou que a mesma iria a seu quarto pela manhã (Ligia odeia acordar cedo) e a veria nua. Até tentou ficar com vergonha, mas o beijo a deixou indignada. Afastando a garota de seu corpo, perguntou, quase que sussurrando para seus pais não ouvirem, se ela era louca. Que alguém poderia vê-las juntas. E o que passou pela a cabeça dela para ir à sua casa, no seu quarto e a beijar.
Disse que o beijo não estava programado, mas a beleza da amiga a fez beijá-la. Pediu desculpa por aquele ato e continuou a olhá-la, como quem come com os olhos. Bruna não acreditava na cara de pau de Ligia. Sabia que ela era assim, mas estava ultrapassando todos os limites universais da invasão. Ligia falou que os pais da menina a deixaram entrar, e depois saíram com o Denis. Em outras palavras, Bruna estava sozinha e desamparada com aquela que se dizia sua amiga, mas a traiu.
- Bru, meu amor. Não fique com raiva de mim. Eu estava apenas lhe fazendo um favor.
- Garota, você é muito cara de pau de dizer isso. Dizer que estava me fazendo um favor? Faça um verdadeiro favor para mim, saia de minha casa e nunca mais olhe na minha cara.
- Não. Eu vou ficar aqui até você me entender.
- Entender o que? Que você é uma falsa? Mentirosa? Desculpe, mas isso eu já entendi direitinho. Vai embora.
- Preste atenção. Eu andei vendo que a Cássia andava dando mole para umas meninas. Andava cheia de sorrisinhos para a Denise. Eu queria ver se ela era capaz de trair você. Queria te proteger.
- Me proteger me traindo? Não entendo isso, não.
- Calma. Não era para você ver. Eu ia te contar, mas ver é triste. Eu queria ter certeza que ela não prestava para você. Eu te amo, menina. Você não entende?
- Vou analisar com calma. Você vem para minha casa de manhã para dizer que traiu a minha confiança, ficando com a minha namorada de cinco anos, porque me ama e queria me proteger. E ia me contar que a agarrou na escada. Sim. Agarrou. Vocês estavam transando na escada.
- Não. Não estávamos. Eram só algumas carícias mais fortes, para ela acreditar que eu queria mesmo. Entende? E ela que estava querendo sexo. Eu não. Só queria provar para você o que eu digo.
- Sim. E você acredita que eu acreditaria em você quando viesse me contar que minha namorada não presta e que ficou com ela para comprovar isso?
- Lógico. Somos amigas.
- Amigas? Você não é amiga de ninguém.
- Eu amo você, garota. Eu amo você.
- Foda-se. Não acredito nesse seu amor, nessas palavras que soam falsas. Vai embora, por favor.
- Não. Você tem que acreditar em mim.
- Como vou acreditar em você? Isso é muito absurdo.
Quando Bruna ainda falava no absurdo, Ligia começou a beijá-la, deitou sobre o seu corpo, ainda nu, e começou a se esfregar. Tinha mais força física que a outra menina. Que tentava lutar, mas não conseguia tirar a outra de cima dela. Ligia passava a sua mão entre as pernas de Bruna, que tentava tirar. Diante de tantos beijos, e carícias roubadas, Bruna morde a boca de Ligia com força. O que a leva a gritar e ver o seu sangue nos lábios. Nesse momento Bruna se levanta da cama, pega o seu roupão, e manda a outra ir embora. Que desta vez vai. Bruna pega uma xícara de café, já quase frio e toma com algumas lágrimas no rosto. Foi praticamente estuprada pela aquela que chamava de amiga até a noite anterior. Ela ficou ali, apenas de roupão, sentada no sofá, com o seu café e pensamentos.
Ela pensou em ligar para alguém, mas sua voz não sairia. Até chegou a discar no celular para Alicia (havia se identificado com a sua dor), mas desistiu. Quis ficar sozinha. Em seu silêncio solitário.
***
Monise
Quando ela abre a porta do apartamento seus pais a abraçam. Pensaram que daquela vez não veriam mais a filha única. A cada hora que ela não estava aqui, enxergavam em seus delírios o caixão da filha. Desde que entrou em depressão era da escola pra casa e de casa para escola. Nada de amigos, nada de sair para se divertir, nada de nada. Lógico, que ainda tem as idas aos psicólogos. Mas nada a noite. Sair à noite é encontrar a nata dos inúteis. Uma falta do que fazer. Qual é a graça da noite? E também, qual seria a graça da manhã?
Estavam muitos assustados. Tocavam na filha como se estivessem tentando descobrir se era ela de verdade ou uma miragem. Ela não havia morrido, tinha apenas saído de casa e chegado tarde, como uma garota normal. O sentimento era um misto de alivio, com surpresa e vontade de colocá-la de castigo. Porque ela faria isso com seus pais? Por que não levou o celular? Eles não entendiam que Monise havia saído no impulso. Nem sabia onde estava indo e se voltaria cedo, tarde ou apenas se voltaria. Não sabia se falava alguma coisa. Podia tranqüilizar os pais com poucas palavras. Podia acabar com aquele tormento. Mas não queria dizer nada. Estava achando tudo aquilo estranho. Havia um policial na sua casa.
Seus pais ligaram para todos os hospitais, IML, psicólogos, grupos de auto-ajuda. E vendo que não tinham o que fazer, fizeram o que qualquer pai faria: ligaram para a polícia para registrar o sumiço da jovem. Como de costume, os homens da lei disseram que precisa estar sumido há pelo menos quarenta e oito horas. Mas a mãe suplicou pela presença de algum policial lá. Disse que a filha era maníaco-depressiva. Que freqüentava psicólogos desde os catorze anos e que ela podia estar morta naquele momento. E o que fazer com pais que ligam para a policia de cinco em cinco minutos? Atendê-los. Um homem fardado foi lá, pegar o nome e foto da moça. A mãe de Monise chorava copiosamente, mesmo depois que a filha chegou.
O policial foi embora. Não havia mais motivo para ele ficar. Perdeu tempo e a chance de prender algum bandido ou de ficar coçando o saco. A menina falou que queria dormir. Os pais a interrogaram, querendo saber onde foi, por que não deu noticias. Ela estava se sentindo sufocada. Falar o que? A verdade? E se não acreditassem? Ah! Teriam que acreditar. Falou da televisão, do jornal, do mundo e suas chagas. Falou da poluição, assassinatos, crimes sem causa. Falou do que sentia diante tudo isso e o maior horror: como as pessoas podem ser felizes diante tantas coisas ruins? Como você pode se sentir bem, se ao olhar para o lado existem pessoas morrendo de fome, de sede, de tédio? Como seus pais podiam se preocupar com ela, só com ela? Existem coisas muito mais importantes para se preocupar e para se ocupar.
Os pais dela respiraram. Olharam para a menina, que estava mais falante. Queriam saber que milagre foi aquele. Ela, talvez, não estivesse curada, mas estava bem melhor do que pela manhã. Estava com um olhar vivo, que tinha pingos de raiva, ódio. Antes era só melancolia. Talvez ela descobrira que a sua dor não era tão grande. Será? Mas onde ela teria ido? Estava sozinha? Eles lhe enchiam de indagações. Ela os olhou e resolveu contar um pouco daquela noite, para terminar a conversa de vez. Contou que conhecera umas meninas, e que até pegou o telefone delas. Eram boas moças, principalmente a tal de Luciana, que era agitada e tentou ajudá-la, a perturbando. Às vezes, quando se perturba alguém, tira de seu mundinho e a leva a uma outra realidade, talvez a verdadeira.
Seus pais não sabiam como reagir. Aquilo era bom, mas e se essas tais meninas fossem ruins? Mas ela acabou de dizer que uma delas tentou ajudar. Falaram para a filha que queriam conhecer as moças. Monise falou que ia ver. Entrou no quarto e se trancou.
Ela se jogou na cama. Queria descansar e lembrar. E se interrogou: por que não tentar de novo a felicidade? Mas era difícil. A tristeza impregnava a sua alma. Como poderia ser feliz depois de tudo? O que é ser feliz?
Dormiu. Quando acordou o sol estava lá fora como sempre. Mas ela notara que ele existia depois de muito tempo. Estava um sol quente. Ela foi até a cozinha, falou bom dia aos pais, pegou alguma coisa pra comer e foi para o quarto ouvir música. Queria ligar para alguém. Escutar alguma voz. Queria se sentir viva, mas queria estar morta. Pegou o telefone, olhou atentamente para aquele aparelhinho. Discou alguns números (aliás, foram muitos). Estava ligando para os Estados Unidos. Sentiu saudade de Fred. Mas ele não estava. Havia saído. Ela ligava mais tarde. E ficou ali sozinha com os seus pensamentos.
***
Luciana
Ela entra em casa.
- Você acha que é assim que se vive? É assim que é a vida? Você está louca e que enlouquecer a gente? – disse o pai de Luciana, que junto com a mãe dela, estavam descontrolados desde que conversaram com Gustavo. Não estavam aliviados por ver a filha bem, mas com raiva pela atitude dela. Sabia que ela estaria bem. Sempre foi esperta, inteligente. Sabia se virar em qualquer lugar. Eles estavam com raiva. Era filha deles e tinha que ser obediente. Mas Luciana nunca foi de obedecer a regras ou ordens. Obedecia a seus pensamentos, seu coração. Sempre foi alguém de atitude. Não esperava cair do céu. Trazia consigo uma parte de uma antiga canção de Geraldo Vandré e tomava aquilo como conhecimento de vida, algo que todos teriam que fazer: “Vem, vamos embora, pois esperar não é saber. Quem sabe faz a hora não espera acontecer”.
- Pai, relaxa. Eu estou bem. Estou viva. Estou feliz. Apenas isso que importa.
- O que importa? Eu quero que você faça o que é certo.
- E o que é certo para o senhor?
- Com certeza o oposto que é para você.
- Essa não é a melhor resposta.
- Eu sou o pai. Eu pergunto. Eu sei o que é o certo para você. E eu dou a resposta que me convém.
- Tudo bem. Eu ajo do jeito que eu acredito que é o certo e você faz da sua vida o que desejar, mas, por favor, me deixe viver.
- Você é louca, menina. E você está de castigo. De casa para a escola, da escola para casa.
- Eu tenho uma vida.
- Enquanto você comer da minha comida e viver debaixo do teto onde eu pago as contas, eu mando e você obedece, ok?
- Você quer que eu vá embora daqui e nunca mais volte, né?
- Eu quero o melhor para você.
- Por acaso você já me perguntou o que é melhor para mim?
- Eu sei o que é melhor para você.
- O que é então?
- Uma boa educação, um bom namorado e marido, uma boa profissão. E não esse esporte que você gosta.
- De verdade você quer que eu seja a cópia feminina do Gustavo.
- Não. Quero que você seja a mulher dele.
- Ah! Fala sério. Minha vida pessoal eu não discuto.
- Você está de castigo.
- Você já disse isso.
- Não terá mais mesada, nem cartão de crédito.
- Não ligo.
- E se eu tirar o seu futebol, basquete, o raio que seja?
- Isso você nunca vai conseguir, pois está dentro de mim. Eu sou quem sou. E sou feliz.
- Vai dormir garota.
- Não precisava nem pedir. Com licença.
Ela sabia que seria difícil de um dia eles entenderem a sua natureza. E cada dia que passava, queria arranjar uma forma de sair de lá. Não poderia mais continuar daquele jeito. Eram seus pais. Ela os amava e não queria mais brigar, mas sempre terminava daquele jeito. E sempre existia algum motivo. Mesmo que parecesse absurdo. Mas para Luciana a vida era feito de pequenos detalhes e pequenas loucuras, sem perceber isso, não há motivos para seguir feliz.
Entrou no quarto. Deu comida aos peixes no aquário. Sentia-se como eles. Um ser que podia estar muito bem em seu ambiente natural, mas, por ser jogada naquele aquário, necessitava que eles jogassem a razão dentro d’água.
Tomou um banho quente e demorado. Passou seus cremes (ela é muito vaidosa). Viu um pouco de DVD (tinha várias séries em DVD, mas a preferida dela é o The L Word). Desligou tudo. Desligou o alarme, já que não precisaria acordar cedo no sábado. E dormiu.
Realmente não precisava acordar cedo, mas talvez pelo costume, ou por qualquer outro motivo, ela acordou oito da manhã. Tomou outro banho demorado. Escovou os dentes e foi tomar seu café. Era viciada em cereais e maças. Não conseguia ver um café da manhã sem o seu cereal preferido com leite gelado e depois uma maça. É como se estivesse faltando alguma coisa. Quando vai dormir na casa de suas amigas, sempre leva um cereal, daqueles que são de uma porção, e uma maça.
Mas aquela manhã não era como as outras manhãs de sábado. E não era pelo castigo. Nem pelo Gustavo ser chato (ela até gostava disso, amava provocar a ira do namorado). Não eram seus pais. Era alguma coisa que ficou dentro dela. Um gosto que não era nem do cereal com leite, muito menos da maça. Estava séria. Pensativa. Ligou a televisão, passou pelos canais diversas vezes e desligou.
Estava sozinha na sala. Seus pais ainda não tinham acordado. Ela pegou o jornal e pensou em ler. Viu uma noticia de um crime horrível e achou aquilo triste. E lembrou da estranha tristeza de Monise. Como alguém pode ser tão triste? Tão distante? O que será que acontece com essa menina? Luciana tinha vontade de ir procurar a moça, de ligar. Pegou o telefone, mas achou que era ainda muito cedo para se ligar em um sábado. É necessário ligar na hora certa de acordo com o dia. Aos sábados se deve ligar depois das dez da manhã. E os domingos, salvo aqueles que você marca de ir a praia, deve ligar apenas depois das onze, dependendo para quem seja, só depois de uma hora da tarde. E Luciana não quis correr o risco de acordar a moça. Resolveu esperar.
E ficou sozinha com seus pensamentos em Monise.
__________________________________________________
Minhas queridas leitoras e queridos leitores também(acredito que deve ter algum homem que leia a novela). Semana que vem estarei viajando, para não deixar vocês sem a novela, o quarto capítulo será postado quinta-feira.
Obrigada
Nenhum comentário:
Postar um comentário